Parecer. Improbidade Administrativa. Proibição de Contratar com o Poder Público. Termo Inicia l

Legal Opinion. Misconduct in Public Office. Ban on Government Contracting. Initial Date

Autores

  • Celso Antônio Bandeira de Mello Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, São Paulo, Brasil)

DOI:

https://doi.org/10.48143/rdai/12.cabm

Resumo

Quesito:1 Pena restritiva de direito concernente à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos, aplicada com fundamento na Lei Federal 8.492/92 (Lei de Improbidade Administrativa), tem como termo inicial para sua eficácia o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial?

A Consulente é empresa com notória e reconhecida expertise na prestação de serviços especializados de metodologias educacionais e capacitação de professores e é focada, exclusivamente, no mercado educacional público. Ocorre que seu sócio fundador, “A”, também é sócio fundador e responsável pela empresa “B” que, por sua vez, foi alvo de aplicação de pena de proibição de contratar com o poder público com fundamento no regime legal que tutela a probidade administrativa nos termos do art. 12, inciso II, da Lei Federal 8.492/92.

A empresa “B” foi contratada, por meio de procedimento de contratação direta com fundamento em inexigibilidade de licitação, no ano de 2004, para prestação de serviços especializados de fornecimento de metodologias educacionais inovadoras, época em que, de fato, não havia concorrentes a oferecer serviço sequer similar, de modo que a competição era inviável em função da singularidade da prestação.

Pois bem. Apesar disso (e do fato de que todos os contratos celebrados pela empresa com outros entes públicos terem sido julgados regulares pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), o Ministério Público Estadual postulou a anulação do procedimento de contratação por inexigibilidade e, via de consequência, do contrato em questão, nos autos do processo n. “X”. Inclusive, a sentença tem uma passagem que, claramente, indica que não seria cabível a aplicação de todas as penalidades previstas na lei:

“Por esta razão, deixo de aplicar aos requeridos todas as sanções previstas, na medida em que a lei ·confere ao prudente critério do juiz a escolha da pena compatível com a reprovabilidade da conduta. Ao réu [“Y”], imponho as penalidades consistentes na reparação do dano; em suspensão dos direitos políticos, por cinco anos e pagamento de multa civil, fixada em 10% do valor do dano. À requerida [“B”], imponho as penalidades consistentes na reparação do dano; em pagamento de multa civil, fixada em 50% do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público ou perceber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Ao requerido [“A”], imponho as penalidades consistentes na reparação do dano; na suspensão dos direitos políticos, por três anos; em pagamento de multa civil, fixada em 10% do valor do dano; e proibição de contratar com o Poder Público ou perceber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. [...]”

A sentença em questão foi publicada no dia 21 de março de 2012 e, como se pode notar do trecho transcrito, apesar de constar, da fundamentação, a aplicação da pena de proibição de contratar com o poder público, o dispositivo da sentença não aplicou tal pena à “B” e ao “A” – pelo dispositivo, apenas a pena de suspensão de direitos políticos foi aplicada.

Não obstante, apesar dessa discussão, a “C”, cujo segmento de mercado é o setor público, continuou a participar de licitações públicas e a celebrar contratos administrativos, sendo certo que o “A” permaneceu em seu quadro societário e a exercer sua gestão e alta direção até o dia 27 de dezembro de 2017, quando foi averbada a alteração do Contrato Social por meio da qual se formalizou sua retirada do quadro social.

Ocorre, todavia, que, entre a publicação da sentença, em março de 2012, e a retirada do “A”, em dezembro de 2017, foram celebrados contratos pela empresa “C” e, atualmente, um desses contratos, celebrado no ano de 2017 com a Prefeitura “D”, está sub judice por força de medida intentada pelo Ministério Público de São Paulo, que postula a declaração de sua nulidade em função da suposta eficácia daquela pena aplicada, em 2012, à “B” e ao “A”.

Porém, supondo-se que seja verossímil supor que a pena de proibição de contratar tenha sido, de fato, aplicada ao “A” e que, portanto, teria aptidão para, em tese, atingir a atuação da CONSULENTE, “C”, é fato que nem a Lei de Improbidade Administrativa, em abstrato, nem a sentença judicial, em concreto, definiram o termo a quo da eficácia da pena restritiva de direito. Há, portanto, um estado inegável de dúvida objetiva quanto a isso e é para saná-la que se formula a presente CONSULTA.

Essa dúvida vem causando enormes prejuízos à CONSULENTE uma vez que tem sido afastada de licitações (além de estar sendo processada por medidas intentadas pelo Ministério Público) pela equivocada ideia de que a aludida decisão vem produzindo seus regulares efeitos, sendo que, na verdade, sua eficácia deveria estar restrita por força de julgamentos que se encontram pendentes junto ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Por outras palavras, a decisão, mesmo antes de transitada em julgada, vem sendo utilizada pela Administração e pelo Judiciário como se já produzisse plenamente seus deletérios efeitos.

A Consulente juntou decisões judiciais favoráveis ao seu entendimento.

À indagação respondo nos termos que seguem.

 

  Parecer

1. Aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral, consoante dispõe o art. 5º, LV, da Constituição Federal, “são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. De resto, a teor do inciso anterior, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Eis, pois, que sob pena de nulidade, toda sanção tem que ser precedida do cumprimento desta exigência.

Ressalte-se que a Lei Magna não fala que a defesa dos aludidos bens jurídicos pressupõe o início ou o desencadeamento do devido processo, mas de outro modo, ela supõe a prévia ocorrência de tal processoe este, para se dizer ocorrente, presume, como aliás resulta da explícita e claríssima linguagem normativa, a existência dos “meios e recursos a ela inerentes”. Donde, é de meridiana clareza que, sem isto, ou seja, sem que se conclua esta fase recursal, não se realiza o devido processo, visto que ele a pressupõe como elemento indispensável. Sem isto não se efetua o que a Constituição considerou necessário para sua ocorrência.

Daí decorre, por mera e inadversável consequência lógica, que nenhuma sanção judicial ou administrativa pode ser aplicada antes da conclusão de um devido processo. Vale dizer: as sanções pressupõem a completude de um devido processo, sem o que haverá contradição a princípio de importância magna explicitamente abraçado de maneira até enfática pela Constituição do País. Assim, para que ocorresse tal exceção cumpriria que existisse uma prévia e indiscutível ressalva quanto a isto. Se não existir, é óbvio que nenhum intérprete assisado sufragará tal entendimento, porque ofenderia à força aberta dicção principiológica residente na Lei Magna.

2. Eis, pois, que conforme sua exigência, é incabível, para além de qualquer dúvida ou entredúvida, que a pena restritiva de direito concernente à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja acionista majoritário, pelo prazo de cinco anos, seja aplicada com fundamento na Lei Federal 8.429 (Lei de Improbidade Administrativa) sem a prévia realização de um completo procedimento administrativo ou judicial assegurada ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.

Donde não há como contender a assertiva de que é radicalmente inadmissível aplicar dita sanção sem que se tenha preliminarmente concluído o processo com a finalização da ampla defesa. Se ela não foi realizada, isto é, se não se integrou e concluiu, é meridianamente claro que não foi aberto o espaço jurídico indispensável à aplicação de sanção.

3. Nem seria preciso indagar a razão destes dispositivos, pois é perceptível de imediato que seu objetivo é, de um lado, assegurar o preceito magno de que todos são inocentes até prova em contrário e, de outro, impedir a adoção de medida que possa, ao depois, revelar-se como de reparação efetiva literalmente impossível, se afinal viesse ser julgado que a parte não havia cometido irregularidade alguma. Aliás, que bastas vezes aconteceu em casos similares ao da Consulta, que decisões do Tribunal de Contas do Estado mencionadas pela Consulente, consideraram correta a dispensa de licitação em casos absolutamente equivalentes. Deveras, seria impossível de antemão dizer-se que o sancionado seria ou não vitorioso em dado certame e que seu ganho ou seus ganhos, no caso de diversas licitações, montaria a tantos reais, cuja percepção viesse a ser obstada pela providência sancionatória intempestiva, suscitada pela habitual intemperança do Ministério Público.

4. Isto tudo posto e considerada a indagação da Consulta respondo, reafirmando o acima dito:

“Nenhuma sanção judicial ou administrativa pode ser aplicada antes da conclusão de um devido processo que teria de precedê-la. Vale dizer: as sanções pressupõem a completude de um devido processo, sem o que haverá contradição a princípio de importância magna explicitamente abraçado de maneira até enfática pela Constituição do País. Assim, para que ocorresse tal exceção, cumpriria que existisse uma prévia e indiscutível ressalva quanto a isto. Se não existir, é óbvio que nenhum intérprete assisado sufragará tal entendimento, porque ofenderia à força aberta dicção principiológica residente na Lei Magna.”

É o meu parecer.

A transcrição deste parecer foi realizada por Renan Marcondes Facchinatto e Victor Augusto de Oliveira.

Biografia do Autor

Celso Antônio Bandeira de Mello, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (São Paulo, São Paulo, Brasil)

Professor Emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 

Arquivos adicionais

Publicado

2020-01-27

Como Citar

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Parecer. Improbidade Administrativa. Proibição de Contratar com o Poder Público. Termo Inicia l: Legal Opinion. Misconduct in Public Office. Ban on Government Contracting. Initial Date. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura | RDAI, São Paulo: Thomson Reuters | Livraria RT, v. 4, n. 12, p. 307–311, 2020. DOI: 10.48143/rdai/12.cabm. Disponível em: https://rdai.com.br/index.php/rdai/article/view/272. Acesso em: 28 mar. 2024.

Edição

Seção

Pareceres | Legal Opinions

Artigos mais lidos pelo mesmo(s) autor(es)

<< < 1 2 3 > >>