The Legal Nature of Public Service Concessions
The Legal Nature of Public Service Concessions
Abstract
A vida isolada do homem é, em regra geral, impossível. Pela própria natureza, são os entes humanos impelidos a viver em sociedade. Além disso, percebendo as vantagens que resultam da cooperação dos seus semelhantes, não podem deixar de desejá-la. Temos, portanto, que a vida social é uma resultante desses dois elementos: necessidade e liberdade.
Daí o dever de colaboração recíproca, concretizado no princípio de solidariedade, não só imposto pela própria natureza, como, ainda querido, por verificar-se que convém à vida em comum.
O meio exterior apropriado é fisicamente adequado ao desenvolvimento do nosso organismo, para este percorrer o ciclo natural da sua evolução. Por sua vez, o meio social apropriado é psicologicamente adequado aos nossos sentimentos e aos nossos pensamentos, para se manifestarem e se aprimorarem.
Para que a vida em sociedade possa frutificar, exige a prática de certas atividades e, por outro lado, a abstenção de outras. Isto é, todas aquelas atividades que contribuem para a vida social próspera devem ser praticadas, bem como devem ser evitadas todas as que lhe forem prejudiciais. Eis aí, a conclusão imposta: a união dos esforços individuais para a realização de fim comum, constituidor do bem da coletividade.
A expansão da personalidade humana exige – e isto é de senso comum – a formação de várias sociedades, algumas naturais e outras convencionais, sendo, consequentemente, necessárias as primeiras e voluntárias as segundas.
Embora ambas constituam meios para o ser humano alcançar o fim, força é distingui-las como condição indispensável no primeiro caso, e, simplesmente, como fator aconselhável, no segundo. Aquelas compreendem as sociedades familiar, profissional, política e religiosa. Estas, enfeixam quantas sociedades privadas venham a ser constituídas por acordo de vontade entre os cidadãos e não sejam havidas como contrárias à natureza humana.
2. No campo social, é mister apreciarem-se as relações dos seres humanos entre si, destes com as sociedades, e das mesmas sociedades entre elas. Cada qual tem atribuição própria, como campo de ação exclusivo, em atenção a finalidades peculiares. Mas, além destas atribuições, outras existem, refulgindo ao circulo particular de cada qual, e, assim, surge a complexidade dos casos mistos, em que se faz preciso estabelecer a proeminência entre duas posições em choque. Porém, é de bom aviso não se confundirem competências concorrentes com competências privativas.
A solução do problema social está em solver-se a incógnita do justo equilíbrio a obter-se na relação estabelecida pela posição do homem em face da sociedade. A sociedade, cabe observar, nada mais é que a reunião de homens para atingir o bem comum deles. Assim, a solução da incógnita consiste no estabelecimento de uma equação humana, que se resolverá pela prevalência dos atos do homem enquanto homem, sobre os atos do homem enquanto animal.
Para se conseguir a eficácia desse “desideratum” é indispensável o aparecimento de um princípio unificador, que dirija as atividades humanas na melhor coordenação possível, e assim surge a autoridade.
3. A autoridade constituída, na sociedade política, resulta da vida dos homens em sociedade e consiste na organização de poder unificador de um povo em dado território, tendo em vista o bem comum dos seus membros.
Existe para servir à coletividade e só se justifica a sua organização para salvaguardar o interesse da comunidade, sendo as suas atividades condicionadas ao bem comum dos indivíduos que compõem a sociedade política.
O que distingue esta, ou melhor, o Estado das outras coletividades, é ser um poder supremo, isto é, possuir como qualidade essencial a soberania. Diz-se que um poder é supremo quando tem não só a capacidade de autodeterminação como, também, a de demarcar, ele próprio, o seu campo de ação, respeitando, entretanto, os princípios da ciência jurídica. Convém não se confundir soberania com onipotência; daí a razão desta ressalva. Além da restrição necessária, ora mencionada, pode sofrer as restrições voluntárias que impuser a si mesmo.
Constituindo-se corporações políticas soberanas, são os Estados, em princípio, iguais e, por isso, considerados, uns em relação aos outros, comunidades independentes.
Num certo território e sobre o seu povo, em regra, portanto, só pode haver poder público titular da soberania, quer dizer, competente para a totalidade dos assuntos temporais de ordem política.
E, embora, muitas vezes, o exercício deles se distribua entre outras entidades, unicamente o Estado fica com a capacidade de decisão em última instância, pois, a soberania é, por natureza, indivisível.
Entidade abstrata, ele se traduz por fatos materiais tangíveis ou intelectualmente perceptíveis, constituindo uma unidade no espaço e no tempo, pois, é uma organização composta de indivíduos, mas possui caráter mais duradouro, e independente deles, considerados “ut singuli”, e que visa a realizar o bem comum da coletividade.
Assim, embora dependa dos elementos humanos que o compõem, para existir em dado território, forma um todo distinto deles e com escopo definido, especial e exclusivo. É o núcleo de convergência e o ponto de partida das atividades levadas a efeito em atenção ao bem comum dos componentes da comunidade e participantes do caráter de identidade e permanência. Essa qualidade, de ser centro de atribuições e operações na ordem moral e ser capaz de direitos e obrigações na ordem jurídica, o caracteriza como pessoa moral e jurídica, ou, melhor, como pessoa coletiva.
Como pessoa coletiva, o Estado distingue-se da pessoa física pois, ao contrário desta, é desprovido dos atributos próprios de inteligência e vontade, que lhe são peculiares. Ele, realmente, não é um ser consciente e livre, mas unidade composta de serem conscientes e livres, isto é, união formada de seres com os atributos de inteligência e vontade sob um poder unificador, em dado território, ligados através de relações de interdependência e solidariedade, visando ao mesmo fim. Em resumo, é um ser acidental constituído de relações entre seres substanciais para alcançar o seu bem comum.
4. Examinando-se a natureza das coisas, cumpre dar a cada um o que é seu: a César o que é de César e a Deus o que é de Deus – e daí termos a justiça nos seus múltiplos matizes: quer nas relações comutativas igualitárias, quer nas relações institucionais, distributivas. E a justiça nada mais é que a expressão do Direito, o qual rege as relações humanas na sociedade, fixando as condições da conduta dos seres que a integram.
Mas, esse Direito não é o imposto pela vontade da maioria, em que o bem comum se transforma na soma das vontades particulares, nem é o imposto pela vontade de um só, em que o bem comum se transforma em entidade mitológica superior aos homens. O Direito, de que se fala, é o obtido pelo exame da natureza humana e pelo estudo das condições necessárias para o homem atingir o seu fim. Destarte, as condições de vida social próspera são fornecidas pela própria natureza humana, considerando-se não o indivíduo, isto é, o ser animal, mas a pessoa, isto é, o ser racional. Não se sufoca o homem pelo socialismo nem se anarquiza a sociedade pelo individualismo. Não há sequer a egolatria do anonimato, expresso no domínio democrático da maioria, ou do ditador, manifestado na opressão da autocracia.
Excluindo-se o prestígio da autonomia da vontade, procura-se a solução no império da natureza das coisas e, por esse modo, se harmonizam os extremos, substituindo-se o egoísmo, de um ou de muitos, pelo solidarismo. Para tal, estabelece-se a seguinte proporção: o indivíduo está para a sociedade assim como a sociedade está para a pessoa humana. E, isso, porque a eclosão da sociedade se deu como razão de ser para o homem, como ente racional, atingir o seu fim, pelo desenvolvimento da inteligência da pessoa humana e domínio dos sentidos do indivíduo.
A noção do bem comum – não é quantitativa, porém qualitativa – não se superpõe, mas se subordina à natureza humana. Na verdade, a sociedade tem por objetivo facilitar a expansão de todos os predicados humanos, e a coordenação do bem comum é feita com o intuito único de servir à coletividade, ou seja, aos seres humanos que a constituem, enquanto tais.
O Direito, que se apregoa, enfim, é o direito natural, cujas raízes estão na própria moral, ou, melhor, é a própria moral social – o qual substitui o acaso arbitrário ou o determinismo necessário, por uma ordem social natural, decorrente da finalidade intrínseca dos seres que compõem a sociedade.
A concretização dos princípios abstratos da ciência jurídica exige esforço paciente, observação atenta e prolongada dos caracteres humanos, dos costumes da sociedade, do jogo das leis e do mecanismo das instituições.
Assim se concilia a imutabilidade dos princípios científicos fundamentais com a variação dos seus desenvolvimentos na aplicação através do tempo e do espaço. É o direito natural, estável, presidindo, segundo as circunstâncias, a oscilação do conteúdo dos preceitos que lhe são complementares, e encerram o direito positivo, em constante adaptação, atendendo a razões históricas e geográficas e à pressão do homem e do meio em cada época.
5. No Estado de Direito há a distribuição de atribuições específicas que competem ao Poder Público, uno, entre os vários órgãos pelos quais se atua. Daí a criação da chamada teoria da separação dos poderes, até há bem pouco tempo clássica no direito constitucional. Hoje em dia, entretanto, ela vem sendo objeto de justas críticas, pois, na verdade, o Poder Público é uno, sendo diversas apenas as suas manifestações, caracterizadas por funções fundamentais.
Assim, não se pode dizer que os três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – são órgãos do Estado, mas, que o Poder Público soberano, com funções fundamentais, se espraia através de vários órgãos, as quais devem estar coordenadas por um órgão superior, a que compete unificá-las, firmando as diretrizes do conjunto.
Competências distintas não se misturam. Por isso, atribuições de natureza diversa cabem a órgãos coordenadores independentes. E estes se integram no órgão supremo constituinte, de onde dimanam todos os poderes que lhes são atribuídos. Entendem os autores, em divergência, que essas funções fundamentais ora compreendem a atividade legislativa, coordenada pelo Parlamento, a atividade executiva, ou melhor, administrativa, coordenada pelo chefe do governo e a atividade judicial, coordenada pelo mais alto tribunal do país; ora desdobram a atividade executiva em atividade governamental e administrativa, cabendo àquela os atos de direção e a esta os atos de execução, ambas, entretanto, coordenadas afinal no mesmo órgão; ora consideram a atividade judicial e executiva como partes da mesma atividade administrativa e, daí, só admitirem duas competências fundamentais: a administrativa e a legislativa, respectivamente coordenadas pelo chefe da nação e parlamento.
Nenhuma dessas correntes dominantes no pensamento jurídico moderno está com a razão, ao classificar as funções fundamentais do Estado, pois, na verdade, elas se reduzem às seguintes: administrativa e judicial.
Pela atividade administrativa, o Estado integra os princípios necessários à consecução de seu fim, de realização do bem comum de seus membros, de modo direto.
Compreende o estabelecimento de normas de caráter geral e sua aplicação por todos que a concretizam em face das situações particulares, devidamente fiscalizados e informados, sempre tendo em vista a integração dos princípios julgados necessários à realização do bem comum dos membros da comunidade política.
Pela atividade judicial o Estado reintegra os princípios considerados necessários à realização do bem comum dos seus membros, resolvendo situação contenciosa, provocada no processo de exteriorização do direito, pelo estabelecimento, mediante interpretação ou construção, do direito controvertido.
6. Em virtude de o Estado ser desprovido de atributos de inteligência e vontade, a realização das atividades necessárias à consecução de seu fim é confiada a indivíduos, considerados seus agentes, mas a ele imputadas, pois são praticadas em seu nome e interesse, isto é, no interesse coletivo, seu escopo especial e exclusivo.
Atinge pois, o Estado, em regra, o seu fim diretamente por agentes públicos, no cumprimento das respectivas atribuições. Os serviços levados a efeito de tal modo são executados em nome do Poder Público, e no seu interesse, e considerados, por consequência, próprios da pessoa coletiva, política, a que são imputados.
Entretanto, há serviços que o Estado, muitas vezes, prefere não compreender diretamente, e então delega o seu cumprimento aos particulares, que os executam em nome deles (particulares) e no seu interesse, devendo-lhes, portanto, ser atribuídos como próprios. Porém, como tais serviços são de caráter público e os particulares apenas os exercem em virtude de delegação da Administração, cabe ao Estado velar pelo modo do seu exercício, salvaguardando o interesse da coletividade. Esses particulares são considerados órgãos indiretos da atividade do Estado.
7. O serviço público compreende a prestação de atos de utilidade jurídica, pelos indivíduos para tal encarregados, o que corresponde ao exercício de ofício público; ou à prestação de verdadeira comodidade pela feitura de obra ou disposição de coisa, por repartição para isso organizada, o que corresponde ao exercício de empresa pública.
O serviço público pode consistir em atividades que satisfaçam as pessoas componentes da comunidade, isoladamente consideradas, ou a comunidade em si, isto é, “pró-cidadão” e “pró-comunidade”. Em uma das hipóteses, o serviço é instituído em atenção a quem recebe as vantagens, enquanto na outra é criado tendo em vista, apenas, o bem comum, isto é, serviços para o cidadão e serviços para a comunidade.
Os primeiros são, de qualquer forma, oferecidos ao público, e os segundos lhe são, de certo modo, impostos; aqueles são colocados à sua disposição, para que se utilize ou não deles, conforme lhe aprouver, ao passo que estes ele é obrigado a suportar, mesmo contra a sua vontade, mediante coação. Uns são condição de vida da sociedade política, enquanto outros são condição de aperfeiçoamento e de melhoria, apenas dela.
O serviço público pró-comunidade atende ao bem comum, ou seja, ao interesse coletivo da comunidade, sem dar relevância ao interesse individual. Isso porque não pode ser individualizado, como a defesa nacional, cujo interesse da coletividade se integra até com o interesse do próprio Estado em si, embora este seja meio para realizar aquele fim; ou então porque não tem objetivos de satisfazer aos interesses individuais, mas, entretanto, reflexamente se satisfazem, por lhes convir, apesar de levados a efeito, apenas, tendo em vista a imediata conveniência da coletividade; “verbi gratia”, certas medidas de polícia, de segurança pública ou de bem-estar geral. Os serviços públicos pró-cidadão são aqueles que, atendendo ao bem comum, ou melhor, ao interesse coletivo da comunidade, visam a satisfazer o interesse individual dos cidadãos que compõem essa comunidade, isoladamente considerados, seja porque esse é o seu escopo primário, como o caso do transporte; seja porque a satisfação de ambos os interesses – individual e coletivo – se confundem, “verbi gratia”, as vias de comunicação.
8. No exercício de suas atividades para realização dos serviços públicos, o Estado se utiliza, quando necessário, do poder de império sobre as pessoas e do domínio eminente sobre as coisas, em regime jurídico especial de prerrogativas incontrastáveis de mando, resguardados, é certo, os direitos dos particulares, segundo a orientação jurídica dominante. Esses processos são de aplicação direta e imediata com referência aos serviços públicos pró-comunidade, uma vez que são impostos ao público, e de aplicação simplesmente indireta e mediata nos serviços pró-cidadão, visto que são oferecidos ao público, concorrendo em tal hipótese para facilitar a execução do serviço, propriamente dito, ou para assegurar a sua boa gestão.
Além de atividades para cumprimento mediato ou imediato dos serviços públicos, realiza o Estado outros, que devem ser havidos como de caráter particular, constituindo, na verdade, meios indiretos para atingir aqueles. Na realização de tais atividades o Estado se equipara aos súditos nas suas relações recíprocas.
Para consecução do seu fim, portanto, o Estado se utiliza de meios e modos adequados para isso, sendo que esses meios e modos necessários e próprios para execução de serviços públicos são havidos como públicos, ao passo que são considerados como privados aqueles que servem para realização de sua atividade privada.
Ao Poder Público, no exercício das prerrogativas que lhe são próprias, como ente soberano, na consecução do bem comum, cumpre, sempre, alterar a organização e o funcionamento dos serviços públicos e modificar o modo de desempenho dos atos públicos. Trata-se de atribuição personalíssima e decorrente de sua própria razão de existir, que jamais pode ser alienada, sob pena de considerar-se tal procedimento política e juridicamente sem valor. Com referência à sua atividade privada, sujeita-se ao direito comum.
Os serviços públicos destinados a satisfazer imediata necessidade coletiva devem ser organizados tendo em vista especialmente a realização desinteressada de tal objetivo, sem o intuito de auferir rendas, pois, em princípio, não têm finalidade lucrativa. Nada impede, entretanto, que as despesas da prestação dos serviços públicos sejam cobertas, com margem, por seus beneficiários, havendo assim, a título de incentivo, uma parcela de proveito. Só a natureza do serviço é que permite seja ele explorado com lucro, pelo custo ou mesmo com prejuízo, o que é apreciado pelo governo, atendendo a conveniências político-administrativas.
Ao contrário, as atividades privadas do Estado podem ter objetivos comerciais, embora seja desaconselhável exerça eles essas empresas, pois as atividades privadas do Estado só devem existir como elemento para consecução de suas atividades públicas.
9. Os meios de gestão são os procedimentos utilizados pela Administração Pública, para conseguir os elementos julgados necessários para o serviço atingir o seu escopo, a saber: homens, materiais e dinheiro.
Os processos de gestão são os métodos utilizados pela Administração Pública na realização do próprio serviço, estabelecendo para tanto as condições havidas como mais convenientes, a saber: “regie” e concessão.
10. Na realização de seu fim, o Estado exerce dupla ação: jurídica e social. A ação jurídica visa à consecução das atividades de defesa externa e manutenção da ordem interna, para efetivação da paz na sociedade política, pela tutela do direito. A ação social visa à consecução das atividades tendentes a desenvolver as condições de bem-estar e aproveitamento coletivos, pela satisfação das necessidades físicas, econômicas e espirituais dos cidadãos.
A ação jurídica compreende atribuições privativas do Poder Público. A outorga da tutela do direito aos particulares acarretaria a sua falência virtual, em virtude de privá-lo da sua função precípua. A ação social é levada a efeito pelo Poder Público concorrentemente com os particulares, sendo que o primeiro age, somente, em caráter supletivo e complementar, isto é, com o objetivo de suprir a falta ou deficiência dos serviços afetos ao último, salvo, é claro, os casos em que a natureza peculiar dos serviços ou razões de conveniência administrativa, tendo em vista interesse público, por motivos compreensíveis, aconselhem a retirada de certos serviços, em princípio, da alçada livre dos particulares, para serem avocados pelo Estado.
Assim, a ação social compreende duas ordens de atribuições distintas; as em que os particulares concorrem com a Administração Pública, e as que devem ser avocadas por esta última. Com referência às primeiras, incumbe ao Poder Público, em regra, apenas zelar por sua execução, fomentando a atividade dos particulares, ao passo que, com referências às últimas, como norma, há a substituição da atividade livre dos particulares pelo Poder Público. São, respectivamente, serviços impróprios e próprios do Estado ou, melhor, serviços de utilidade pública e serviços públicos. Estes só podem ser exercidos pelo Estado ou seus delegados e destinam-se ao público, mediata ou imediatamente; aqueles devem ser exercidos pelo Estado somente na falta ou deficiência deles por particulares, incumbindo-lhe, em regra, apenas animá-los, incrementando e incentivando, senão mesmo exigindo, quanto possível, o seu exercício por terceiros.
Os chamados “serviços impróprios do Estado”, isto é, de utilidade pública, são serviços correspondentes a prestações privadas, mas, dado o fim a que são dirigidos, e o número elevado de pessoas que neles são interessadas, pertencentes à coletividade, são submetidos a disciplina jurídica especial, mesmo porque, na falta dos particulares poderem exercer tais serviços, deve o Poder Público provê-los. Tais serviços, por isso, são exercidos até mediante certa regulamentação do Estado. Constituem atividades privadas, sujeitas à sua ingerência.
A simples regulamentação, portanto, da prestação de determinada atividade, em alguns de seus aspectos, não significa em considerá-la pública, mas, apenas, de utilidade pública. A regulamentação, que implica em considerar o serviço como público, é a sua retirada do comércio comum, com o estabelecimento de sua exploração pelo Estado ou seus delegados. Enfim, é preciso que se enquadre nos processos de execução de direito público.
Os casos cuja natureza peculiar indica que devem ser avocados pelo Estado são fáceis de serem discriminados. Enfeixam os serviços que, para seu cumprimento, exigem, ao menos mediatamente, o exercício do poder de império, próprio dos seres soberanos e dos entes que constituem seus desdobramentos, ou o uso de bens do domínio das entidades políticas.
Os casos em que a conveniência administrativa, tendo em vista especial interesse coletivo, aconselha sejam alguns serviços avocados pelo Estado, são de difícil classificação, pois só o exame das circunstâncias objetivas é que convence, ou não, da necessidade de retirá-los da ação livre dos particulares e sujeitá-los a regime de controle. Considerar, por conveniência administrativa, certo serviço como público é atribuição discricionária do Estado.
As atividades dos particulares que devem ser, por conveniência administrativa, consideradas como serviços públicos, são as que afetam, de certa maneira, a defesa nacional ou a ordem pública, exemplificativamente, pela sua posição estratégica ou facilidade de divulgação no estrangeiro, os serviços de telégrafo, rádio, etc.; ou, então, as que refletem diretamente no interesse da coletividade, nas suas condições de bem-estar, pela circunstância de desfrutarem, de algum modo, de monopólio de fato, a saber: a) pela limitação de suas fontes de suprimentos; b) pela falta de concorrentes, em virtude do caráter do serviço, que exige grandes capitais e tem campo de ação relativamente restrito; c) pela dificuldade de encontrar locais de depósito, estações, etc., vantajosos para a instalação do serviço e para o público; d) pelas condições em que o produto ou o serviço é usufruído ou prestado; e) pela inconveniência da concorrência; f) pela segurança coletiva; g) pelo abuso dos negociantes que, sem a evocação e fiscalização na gestão pelo Estado, têm possibilidade de abusar e efetivamente o fazem.
11. As funções públicas da ação jurídica são, em princípio, indelegáveis, pois, pela própria essência, constituem atribuições exclusivas do Poder Público e, portanto, devem ser executadas diretamente pelo Estado. As empresas públicas de ação social, em virtude de serem as suas atividades exercidas pelo Estado em caráter supletivo e complementar ou em consequência de avocação, dada a natureza especial da forma de exercício de algumas delas ou motivos de conveniência administrativa, tendo em vista especial interesse público, podem ser conferidas pelo Estado a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, quando não lhe parecer oportuno explorá-las diretamente.
Só se pode delegar a terceiros certos serviços da atividade social quando o particular, na sua exploração, possa auferir proventos, portanto, serviços industrializáveis e, demais, não sejam daqueles que são impostos aos indivíduos, mas simplesmente colocados à sua disposição, para que deles desfrutem, quando entenderem conveniente. Isso porque, no primeiro caso, faltaria o fator fundamental para atrair a atenção de terceiro e harmonizar o seu interesse com o do Estado, de conseguir adequada organização e funcionamento tão perfeito quanto possível do serviço delegado. E, no segundo caso, haveria o inconveniente, perturbador da própria ordem social, e, em especial, da segurança individual, de entregar-se a terceiro o exercício de atividade cujo desenvolvimento direto exige a constante coação sobre o particular, no cumprimento de competência peculiar de uma autoridade. Não devem, ainda, ser concedidos os serviços que se relacionam com a defesa nacional e a ordem pública, a saber: as estradas de ferro estratégicas, o serviço de correio.
O desenvolvimento de uma cidade depende, em grande parte, do sistema desses serviços públicos industriais, organizados e funcionando em forma contínua, regular, sem discriminação pessoal de usuários e em condições satisfatórias. São serviços necessários para se levar vida consentânea com a civilização atual e dificilmente dispensáveis um dia sequer, pelos prejuízos de ordem econômica e social que acarretariam ao público. Tanto industriais como comerciantes, operários manuais como trabalhadores intelectuais, servem-se deles.
Tais serviços são de vida estável, mudam de gerações em gerações e não de estações em estações do ano, sendo relativamente lentas as suas transformações, pois o seu progresso decorre dos marcos profundos assinalados nos avanços das ciências. Eles não se alteram segundo os gostos ou as imposições da moda. Constituem instituições e não formas comerciais. Têm fim altruísta e não egoísta.
Esses serviços de caráter industrial compreendem, principalmente, as comodidades seguintes: a) transportes terrestres, através das ferrovias, ônibus, metrôs, bondes; aquático, marítimo e fluvial, por meio de embarcações apropriadas; aéreo, pelos aviões e balões; e pelo subsolo, utilizando-se de canalizações, para condução de água, óleo, gás e outras necessidades e escoamento de detritos; b) comunicações feitas em forma de correspondência postal, telegráfica, radiográfica, telefônica; c) fornecimento de água, calor, frio, luz e energia pelas comodidades da água, gás e eletricidade; d) satisfação adequada das necessidades alimentares fundamentais, como usinas pasteurizadoras, matadouros etc.
Há várias classificações a respeito feitas pelos escritores. Nenhuma, todavia, é absolutamente satisfatória e completa, sendo de caráter enunciativo e não taxativo. Desenvolvem-se, dia a dia, esses serviços em virtude do crescimento da população e, consequentemente, das cidades, originando maior densidade de habitantes nas zonas urbanas, impelindo à divisão intensa do trabalho, forçando alterações da técnica da vida e dos processos de sua satisfação, impondo ainda a colocação, em diferentes locais, de produtos cujo consumo é necessário à coletividade e, assim, as comodidades são produzidas em larga escala, oferecidas ao público por organizações especializadas, que têm por objetivo a prestação de serviços havidos como públicos, dadas as necessidades sentidas em determinada época, segundo o estado de cultura da sociedade, aferido esse estado pelos imperativos ambientes do homem e do meio.
Não existem e não podem existir contornos precisos estabelecendo a esfera tanto dos serviços públicos, como dos de utilidade pública, como, ainda, dos privados. À medida do evolver das sociedades políticas, esses serviços saem de uma zona para serem encaixados na outra. Sem dúvida, constituem conceitos fixos, mas de conteúdo variável. Variável segundo o grau de civilização e progresso do Estado, as necessidades do povo e as condições peculiares de cada local. Há mesmo uma zona crepuscular entre muitos deles, em cuja linha de circunferência as esferas se tangenciam interpenetrando-se. E daí as dúvidas nas classificações doutrinárias e legais existentes.
12. Enquanto os serviços públicos da atividade jurídica são executados, em princípio, pelo Poder Público, os serviços públicos da atividade social, que competem ao Estado, podem ser geridos pela própria Administração Pública ou pelos particulares, por via de delegação do Poder Público para o exercício dessa atribuição. Na primeira hipótese – exploração do serviço diretamente pelo Poder Público – temos a socialização; e, na segunda hipótese – exploração do serviço por particulares em virtude de delegação do Poder Público – temos a concessão.
Após a Revolução Francesa, sob a influência dos preceitos individualistas que a informaram, predominou, em as nações civilizadas, a concepção de que o Estado devia se abster de gerir, diretamente, os serviços da atividade social, devendo, nas duas hipóteses em que se justificava fossem avocadas para si tais atribuições, delegar o seu exercício aos particulares, mediante concessão de serviços públicos. Era a época em que imperava o princípio do “laissez-faire, laissez-passer”. A grande guerra acarretou profunda transformação no pensamento contemporâneo, que se viu, então, imbuído das concepções socializantes do Direito e, por conseguinte, dominado pelas doutrinas favoráveis à intervenção direta do Estado na ordem social. É o predomínio da economia dirigida.
Contra a administração direta do Estado nos serviços públicos se podem levantar várias objeções. Assim, se alega, em primeiro lugar, a sua incapacidade para explorá-los, em consequência de faltar-lhe as necessárias doses de iniciativa e adaptação às circunstâncias, que vão surgindo por ocasião do desempenho do serviço, o que exige ação rápida ante as situações objetivas aparecidas. Em segundo lugar, se argumenta haver, nas suas empresas, deficiência de interesse pessoal, pois ele age por intermédio de representantes, os quais não têm, nos negócios, o mesmo interesse que os particulares, imediatamente atingidos por eles. Além disso, estão sujeitas tais empresas a influências políticas, sendo difícil, também, sua rigorosa fiscalização, a fim de se impedirem abusos de diversas naturezas. E esses inconvenientes são mais sensíveis segundo o grau de complexidade do serviço e, principalmente, quando há inversão de grandes capitais.
Entretanto, por outro Indo, força é reconhecer, o serviço exercido por concessão, em regra, tem o seu fim deturpado pelo concessionário, que procura satisfazer quase que exclusivamente as suas ambições gananciosas, em detrimento do bem-estar coletivo – razão de ser do serviço. Demais, a fiscalização do Poder Público, contra os abusos dos concessionários, é muito difícil e dispendiosa, pois estes procuram estabelecer o máximo de transtornos à ação do Poder Público, procurando, por todos os meios, fugir à sua interferência controladora. Há serviços que convém sejam socializados, ao passo que outros são mais interessantes quando exercidos por concessão. Na verdade, a escolha dos métodos, quanto à forma de cumprimento pelo Estado, de determinada atividade social, varia em atenção às circunstâncias objetivas e à natureza dos empreendimentos.
Caberá à regulamentação de serviços públicos acautelar as críticas acima apontadas contra ambos os sistemas. Prescreverá que a execução de tais serviços, quando exercidos diretamente pelo Poder Público, seja feita sob regime especial de autarquia e, portanto, independente das influências burocráticas e políticas e debaixo de ação de pessoa interessada no êxito da empresa. Estabelecerá que a prestação desses serviços, quando desempenhados por concessão, seja feita mediante completa fiscalização do Poder Público, pela repartição competente, e os seus dirigentes sujeitos a severas medidas punitivas nos casos de excessos da orientação da empresa ou na defesa dos seus interesses. Além disso, poderá, em ambas as hipóteses, optar pela sociedade de economia mista, que consiste em participar o Poder Público como sócio de empresa particular, concessionária de serviço público, tendo maior ou menor ingerência, conforme o capital nela investido, quando poderá ocorrer preponderância da riqueza pública ou privada, segundo a orientação político-administrativa julgada mais aconselhável, em função do objetivo que sugeriu a exploração do serviço público por concessionário constituído em empresa de economia mista. Em linhas gerais, portanto, a orientação no assunto poderá ser fixada. Porém, a solução definitiva deverá competir à entidade política que tiver a atribuição do serviço, pelo exame cuidadoso dos casos concretos.
Dada a intervenção muito intensa, nos países latinos, dos políticos na atuação do Governo, prejudicando os interesses coletivos em proveito das conveniências partidárias, nos parece preferível o regime de concessão ao de exploração direta pelo Estado, mesmo sob forma autárquica, dos serviços públicos de sua atividade social, de caráter industrial. Mais fácil será se encontrarem nesses povos "equipes" de funcionários dedicados e hábeis, que exercerão convenientemente a fiscalização dos serviços concedidos, do que conseguir-se organização satisfatória do Poder Público para diretamente gerir tais atividades, de forma que essas repartições fiquem alheias ao bafejo da politicagem ou do emperramento burocrático. A socialização deve ser usada apenas como último recurso, quando a fiscalização dos serviços concedidos vier de todo a falhar. Na verdade, preferimos constitua antes uma ameaça contra possíveis abusos dos concessionários, do que um processo normal de execução do serviço. A sua previsão é imprescindível justamente para tais circunstâncias. Por Isso, de regra, cumpre ser em potência para se atualizar em casos excepcionais, somente.
A sociedade de economia mista, se adotada, também melhor atenderá ao Interesse público, ao nosso ver, se nela prevalecer o capital particular, não constituindo, portanto, uma força disfarçada de socialização, mas, ao contrário, empresa realmente de natureza privada. Em casos esporádicos, em que urge maior domínio do Poder Público, ele absorverá, então, a empresa, utilizando-se dos processos de direito público cabíveis.
Sempre, a socialização, absoluta ou relativa, do serviço da atividade social de caráter industrial, deve constituir medida de exceção, usada em casos excepcionais. O instituto, nessa eventualidade, vale mais como arma possível de ser empregada, portanto, como atuação preventiva de coerção psicológica sobre concessionários.
II.Da concessão de serviço público
13. Concessão é o ato administrativo pelo qual o Poder Público incumbe a uma pessoa, natural ou jurídica, de exercer um serviço público. Embora continue a ter o caráter de serviço público é ele exercido em nome e por conta e risco do concessionário.
14. Coloca-se o concessionário no lugar do concedente, pois o serviço é próprio do Estado, exercendo-o por delegação. Atendendo a razões de oportunidade política, ao invés de gerir diretamente o serviço, o Estado o faz por intermédio do concessionário, havido como capaz de desempenhá-lo satisfatoriamente, o qual, afiança, mediante as cautelas julgadas necessárias, assim proceder. Há, na concessão, a outorga ao particular do exercício de serviço público de competência do Estado. Portanto, tal outorga é, e não pode deixar de ser, condicional, temporal e pessoal. A concessão, na verdade, é um simples processo técnico de execução de serviço público, de acordo com as exigências deste. O serviço público delegado deve ter, como o serviço público levado a efeito pelo Estado, o objetivo principal de atender ao interesse coletivo, pois não seria admissível essa forma de exploração, se tal garantia não existisse.
15. Ao concessionário são atribuídas as prerrogativas de exercer poderes peculiares aos entes políticos, necessários ao desempenho do serviço, e de cobrar taxas, denominadas tarifas, dos usuários, como contraprestação dos serviços a eles fornecidos, tudo na forma e condições em que foram outorgadas essas faculdades.
16. Pelo fato de incumbir o concedente ao concessionário a execução de um serviço público e, mais, deste aceitar tal incumbência, nascem desse ato jurídico – concessão de serviço público – direitos e obrigações recíprocos. Assim, cabe ao concessionário o direito de executar o serviço público, assegurada a seu favor uma equação financeira estabelecida por ocasião da outorga da concessão, e cabe ao concedente o direito de obrigar o concessionário a executar o serviço público, no interesse da coletividade, segundo organização e funcionamento mais convenientes para se atingir tal fim.
17. Mas, o fato de criar a concessão direitos e obrigações, para as partes vinculadas juridicamente, não constitui característico suficiente para extremá-la de outros institutos jurídicos de cujos atos decorrem, também, direitos para as partes, e não só direitos como obrigações.
Por não atentarem nisso, há autores que sentem dificuldades em especificar a concessão, distinguindo-a de outros institutos jurídicos, estabelecendo, nesse terreno, verdadeira balbúrdia, dando conceito genérico ao instituto da concessão, dentro do qual cabem vários atos jurídicos que não devem ser compreendidos.
Os autores franceses e alemães oferecem noção mais restrita da concessão, pois a distinguem, apenas, em concessão de uso, obras e serviços públicos, ao passo que os italianos e alguns espanhóis nela incluem, entre outras, a concessão de prêmios, de função pública e de "status" jurídico.
No presente estudo só nos interessa a concessão de serviços públicos e neste sentido tal expressão vem empregada.
III.Da natureza dos atos jurídicos
18. A elaboração de regras jurídicas, com a consequente criação de situações jurídicas, pressupõe a prática de atos pelas pessoas de direito e havidos, portanto, como atos jurídicos, os quais consistem em manifestação de vontade daquelas pessoas, acarretando modificações diretas ou simplesmente declarações no ordenamento jurídico existente, para satisfação de determinados interesses, pela formação de relações jurídicas.
Logo, o ato jurídico é manifestação de vontade, que, solicitada pelos motivos, delibera, ante a concepção e execução de certo assunto, para satisfação de determinado interesse. É formado tendo em vista as causas que influem na exteriorização de qualquer ato das pessoas a saber: causa eficiente, que é o sujeito manifestante da vontade, obedecida dada formalidade, causa instrumental; causa final, que é a meta pela qual o ato solicitado pelos motivos (causa ocasional) foi praticado; causa material que é o bem, coisa ou prestação, objeto do ato, e causa formal, que é o modo pelo qual o bem, coisa ou prestação se constitui objeto do ato, isto é, se torna o conteúdo da regra jurídica. As causas formal e material são elementos intrínsecos do ato jurídico, enquanto que as causas eficiente e final são elementos extrínsecos do ato jurídico.
Todo ato jurídico pressupõe sujeito capaz, objeto possível, conteúdo legítimo e fim adequado do agente e do próprio ato.
19. A classificação dos atos jurídicos pode ser feita tendo em vista a relação jurídica em si ou tomando em consideração os efeitos dela decorrentes.
20. Os atos jurídicos em si se dividem em atenção aos elementos intrínsecos, causas material e formal, ou melhor, ao objeto e ao conteúdo da relação jurídica; ou em atenção aos elementos extrínsecos, causas eficiente e final, ou melhor, à vontade das pessoas jurídicas, físicas ou coletivas, que integram a formação de relação jurídica, e a meta que visam a alcançar, em virtude do motivo que solicita a vontade na formação da relação jurídica.
21. As regras jurídicas, em relação às causas intrínsecas, compreendem o objeto e o conteúdo dos atos jurídicos, pelo qual produzem determinado efeito, ocasionando modificações no ordenamento jurídico existente e a consequente produção de determinada situação jurídica.
Essas alterações podem dizer respeito a preceitos objetivos ou subjetivos, isto é, a preceitos de caráter geral e impessoal ou especial e pessoal, que como elementos constituidores de dado ordenamento jurídico acarretam imediatamente a criação de situações jurídicas correspondentes a eles, ou, podem dizer respeito, simplesmente, à atribuição de preceitos objetivos, não aplicáveis de "motu proprio", a determinadas pessoas, criando a favor delas situações jurídicas também objetivas. Assim, considerando-se as regras jurídicas em relação às causas intrínsecas, os atos jurídicos se dividem em atos objetivos, atos subjetivos e atos-condição.
O ato objetivo é o que formula regras de direito geral e impessoal e permite o estabelecimento, em consequência, de situações jurídicas gerais e impessoais, ambas de caráter abstrato. O ato subjetivo é o que formula regras de direito especial e pessoal e estabelece, consequentemente, situações especiais e pessoais, ambas de caráter concreto. O ato-condição é o que atribui às regras objetivas, não executáveis de pleno direito, situações objetivas, tornando, assim, aplicáveis as regras objetivas, pelo investimento de determinadas pessoas em situações objetivas decorrentes daquelas. Portanto, mediante ato de extensão especial e pessoal se estabelece aplicação de regras gerais e impessoais e a consequente criação de situações jurídicas correspondentes para determinados sujeitos de direito, pela particularização de tais regras abstratas com relação a eles.
O exemplo clássico de ato objetivo é a lei. Mas há outros atos objetivos, tais como os estatutos das sociedades privadas, que estão, com referência aos seus associados, na posição da lei, propriamente dita, com referência aos súditos de dada entidade política.
Característico de ato subjetivo é o contrato, cuja aplicação muito grande no direito civil e comercial fez com que se pensasse constituir instituto alheio ao direito administrativo. Porém, há contratos de direito internacional e administrativo lavrados entre as entidades políticas entre si ou firmados entre entidades políticas e particulares. Como à lei do direito civil e comercial se chamou de convenção e estatuto, ao contrato de direito internacional e administrativo se denominou tratado e acordo.
A natureza das coisas, entretanto, se não altera pela mudança de nome.
O tipo de figura jurídica que explica o ato-condição é o casamento. Mediante acordo de ambas as partes, se institui a família nos termos da legislação em vigor, isto é, nos moldes traçados pelo ato objetivo que regula a matéria, cuja aplicação aos cônjuges se dá pelo ato-condição do casamento. Outro exemplo é a nomeação dos funcionários, que pelo acordo de ambas as partes, governantes e particular, determinada pessoa se investe em cargo público, para agir em nome e por conta do Estado, na participação da atividade dele de realizar o bem comum da sua população, tudo conforme os textos legais imperantes, isto é, nos moldes traçados pelo ato objetivo que regula a matéria, cuja aplicação a certo particular se dá pelo ato-condição da nomeação.
22. As regras jurídicas, em atenção às causas extrínsecas, compreendem o agente manifestante da vontade e a meta que se procura alcançar e, por isso, dá aso àquela manifestação. A manifestação da vontade do agente, tendo em vista determinado fim, pode ser unilateral ou convencional.
A manifestação unilateral é singular, quando formada pela vontade de uma só pessoa, e plural quando formada pela vontade de várias pessoas. Em ambos os atos unilaterais, singular e plural, a vontade, como é óbvio, deve deliberar, solicitada pela causa ocasional ou motivo para alcançar a causa final. Na hipótese do ato unilateral singular, o interesse é uno, e na de ato unilateral plural deve ser idêntico, isto é, cumpre haver conjugação de interesses, e, por conseguinte, as causas material e formal, também, não podem ser diversas.
A manifestação convencional é aquela formada pela vontade de dois agentes, ou grupo deles, que concorrem para integração do ato, pelo acordo entre eles estabelecido para satisfação de interesses opostos. A oposição pode existir apenas quanto ao fim do ato, sendo idênticas as causas intrínsecas dela, mas pode existir, ainda, não só quanto ao fim, como, também, quanto às causas intrínsecas. A primeira hipótese configura o chamado ato-união, ato recíproco ou ato-acordo e, a segunda, contrato.
Como exemplo de manifestação unilateral singular, está o testamento e, como exemplo de manifestação unilateral plural, está a lei nos regimes democráticos, elaborada pelas Câmaras e Ministérios e promulgada pelo Chefe da Nação. A figura típica de ato-união é o casamento, cujo objeto e conteúdo, isto é, causas material e formal, são idênticos para ambos, a saber: constituição de certa a família, embora possa ter sido levado a efeito por interesses diversos, ou seja, por fins diferentes "verbi gratia": a mulher para obter amparo moral e o homem para consolidar situação financeira. Como tipo de contrato, salientamos a compra e venda, cujo objeto e conteúdo, isto é, causa material e formal, são distintos, diferentes para cada parte, pelo qual o comprador quer o objeto comprado nos termos do conteúdo estabelecido na relação jurídica, e o vendedor quer o preço do objeto vendido nos termos, também, do conteúdo estabelecido na relação jurídica, e querem esses bens destinados para a satisfação de interesses díspares, como sejam, para utilizar-se do objeto comprado em deleite pessoal e para empregar o preço do objeto na ampliação da sua indústria.
Embora aparentemente possa parecer inexistir interesse na indagação da causa final das relações jurídicas, estudando-se mais a fundo o problema se verifica o interesse geral em se descobrir a causa final da vontade de cada um dos sujeitos da relação jurídica, bem como do próprio instituto jurídico. Pois, só pela sua apuração se pode verificar se houve, ou não, abuso no exercício do direito por uma das partes integrantes da relação jurídica, discutindo-se, segundo concepção subjetiva, a ocorrência da má-fé no seu desempenho, com intuito de prejudicar a outrem, ou, segundo concepção objetiva, a ocorrência de desvio do seu fim e dos motivos determinantes do ato pelo seu emprego irregular e anormal, mesmo quando inexistente a má-fé, desde que prejudicou a terceiro sem apreciável proveito para o sujeito ativo.
O ato objetivo é de natureza simples e se apresenta na produção do direito a que se propõe de forma pura. Já o ato-condição pressupõe ato-objetivo que ele particulariza. E no ato-subjetivo a complexidade é maior, pois que, além das regras pessoais e especiais que o caracterizam, ele traz, sempre, em seu bojo, como complemento, certas regras impessoais e gerais, particularizadas por ato-condição. Assim, além da situação jurídica especial e pessoal, ele envolve situação jurídica geral e impessoal, isto é, além de poderes e deveres de ordem concreta, há os de caráter abstrato.
As regras objetivas permitem o estabelecimento de regras subjetivas dentro de certa medida apenas, pois, há princípios por ela considerados como de ordem pública e bons costumes que devem ser respeitados nos atos subjetivos, nos termos fixados pelos atos objetivos; ademais existem outras regras objetivas que têm aplicação na falta de regras subjetivas, como disposições supletivas. Por conseguinte, o campo de ação dos atos subjetivos se encontra limitado imperativamente por certas regras objetivas denominadas cogentes e completado, subsidiariamente, por outras regras objetivas denominadas dispositivas.
Qualquer contrato, além das regras subjetivas que criam tal relação jurídica, compreende as regras objetivas imperativas, regendo obrigatoriamente toda relação contratual nos termos da legislação vigente, disciplinadora da matéria, e se completa por regras objetivas suplementares dispondo subsidiariamente, na falta de preceito contratual, sobre certos aspectos da aplicação de tal relação jurídica.
23. Qualquer das modalidades das regras jurídicas, consideradas em si com referência ao seu objeto e conteúdo, isto é, os atos objetivos, subjetivos e condição, pode ser expressa por atos unilaterais, singular ou plural, pois, estes têm aplicação genérica. Já com os atos convencionais não se dá a mesma coisa, visto que eles têm aplicação específica, assim, o ato-união só se manifesta como ato-condição, enquanto que o contrato só se exterioriza como ato subjetivo.
24. Há atos unilaterais cuja manifestação da vontade fica subordinada à manifestação de outras vontades unilaterais, que constituem pressuposto ou condição suspensiva ou resolutiva daquela. Como, porém, essas vontades não se integram, constituem atos jurídicos independentes, e de forma alguma se confundem com ato unilateral singular ou plural, ou com os atos convencionais: união e contrato. Nesta categoria podem ser mencionadas a admissão e autorização, em que ao ato da Administração pressupõe ato do administrado requerendo a efetivação deles. Aquela consiste em ato administrativo vinculado, pelo qual, reconhecidos no particular qualidades e requisitos prefixados, se lhe outorga fruição de serviço público, e esta em ato administrativo discricionário, pelo qual se permite ao particular exercer atividade que a lei declara proibida, salvo assentimento em contrário da Administração.
25. Os atos jurídicos inferiores constituem, na verdade, execução de regras jurídicas superiores.
Essa execução se verifica pelo exame das escalas em que se encontram agrupadas as regras jurídicas. Os atos executivos são execuções de atos legislativos, como estes o são de atos constitucionais. A execução material, entretanto, é o termo final da execução das regras jurídicas e o estágio último da sua concretização, pois, que as manifestações da vontade pressupõem, para sua efetivação, a prática de atos materiais que asseguram a realização do direito.
Essa execução, entretanto, pode ser levada a efeito não só para exteriorização última de atos regras pessoais e especiais de caráter concreto, como também de atos regras impessoais e gerais de caráter abstrato e sem passar por aquela situação, quer dizer, diretamente do máximo de abstração ao máximo de concretização.
A atividade material, quando elemento para a execução dos atos jurídicos, é considerada, como este, atividade de realização do direito, entrosando-se, como parte essencial das regras jurídicas, isto é, como fator indispensável para sua completa exteriorização. Eles são o cumprimento de poderes e deveres contidos nas situações jurídicas representantes das regras jurídicas. Assim, a realização do direito que se inicia com o fenômeno psicológico interno da sua concepção, termina com o fato físico externo da sua realização material.
26. Os efeitos decorrentes dos atos jurídicos podem beneficiar, de forma direta, apenas a determinadas pessoas, particularmente por eles visadas, ou estender as suas vantagens, indeterminadamente, às pessoas que compõem certa coletividade. Assim, envolvem atos de caráter particular, cujo objetivo é satisfazer imediatamente os interesses das pessoas em jogo, ou atos de caráter coletivo, cuja preocupação imediata é a de defender os interesses dos integrantes da comunidade social. Aqueles são próprios dos indivíduos e estes são peculiares dos entes políticos.
Em consideração, portanto, às partes beneficiadas nela relação jurídica, referente esta particularmente ao sujeito ativo e passivo ou à coletividade, independente das pessoas que integram o ato jurídico, as regras jurídicas se dividem em públicas e privadas. Públicas são as relações jurídicas das entidades políticas entre si ou delas com os particulares, tendo em vista imediatamente o bem comum da população e mediatamente, apenas, o bem individual das partes relacionadas, relações cujo fim é a realização da justiça geral, mediante o emprego, se preciso, de método de constrangimento, ou melhor, de processo de autoridade, que constitui, afinal, o elemento próprio do Estado para consecução da sua razão de ser. Privadas são as relações jurídicas de particulares entre si ou deles com as entidades políticas, tendo em vista imediatamente o bem individual das partes relacionadas e mediatamente, apenas, o bem comum da população, relações cujo fim é a realização da justiça comutativa e, por conseguinte, mediante o exercício de poderes iguais ou equivalentes em processos de economia própria, para satisfação dos seus interesses peculiares.
De um direito público podem irradiar-se faculdades de direito público e de direito privado, segundo os interesses que são protegidos pela ordem jurídica.
A organização e funcionamento de um serviço público, exercido por terceiro, são condicionados ao interesse público, pois, o concessionário é um simples delegado do concedente. Destarte, no concessionário se faculta o exercício de poderes peculiares dos entes públicos, para efeito de atingir a realização do serviço concedido, na sua organização e funcionamento.
Por outro lado, pelo ato público da concessão se assegura ao concessionário, muita vez, a prerrogativa de exercer atividade comercial relacionada ao objeto da concessão, tal seja a de venda de fogões por concessionário de serviço de fornecimento de gás. Ora, as relações entre ele e terceiros, no desempenho de tais atividades comerciais, se regem pelos princípios do direito privado.
IV.Da natureza do ato jurídico – Concessão de serviço público § 1°.Considerações preliminares
27. A natureza jurídica da concessão de serviço público tem sido objeto das mais vivas polêmicas, e, até hoje, os autores discutem o assunto sem haverem conseguido harmonizar as opiniões divergentes. A dissídia é de tal monta que o debate começa quando se procura catalogar as correntes doutrinárias dominantes, atendendo-se às afinidades essenciais das opiniões emitidas na matéria.
A classificação dessas doutrinas se pode fazer tendo em vista o critério histórico do seu aparecimento ou tendo em atenção classificação sistemática dos seus elementos fundamentais. A classificação sistemática satisfaz melhor a exposição científica da matéria, porquanto considera no agrupamento das doutrinas básicas para a sua enunciação razões lógicas. Entretanto, nada impede, e, de certo modo, até é aconselhável, que, após a separação das correntes mestras, se faça, dentro de cada grupo, a exposição das teorias, cogitando-se da ordem cronológica do seu surgimento no cenário jurídico.
28. Considerando que a concessão é ato jurídico, cuja manifestação é ato de vontade, considerando, ainda, que os atos jurídicos, sendo manifestação da vontade têm determinado conteúdo, e, considerando, finalmente, que pelo conteúdo os atos jurídicos se dividem em unilaterais e convencionais, podendo-se, pela combinação de ambos, formarem-se, ainda, os atos de caráter complexo, separamos as correntes sobre a natureza jurídica da concessão de serviço público em três categorias fundamentais: 1) doutrinas unilaterais; 2) doutrinas contratuais; 3) doutrinas complexas.
29. Os autores das teorias catalogadas na primeira corrente doutrinária dão maior importância à autoridade do Estado, ao passo que os autores das teorias catalogadas na segunda corrente doutrinária conferem maior deferência à liberdade do particular enquanto que os adeptos das teorias da última corrente doutrinária procuram conciliar a soberania do Estado com a autonomia do particular. Assim, as propostas para solução da questão se prendem, no fundo, a posições autoritárias ou libertárias ou estão em tentativa de possível harmonia entre elas.
Na primeira categoria doutrinária, há quatro teorias a se considerarem: a) do ato unilateral imposto pelo Poder Público; b) a do ato unilateral do concedente admitido pelo concessionário, a princípio como condição resolutiva e depois suspensiva; c) a dos dois atos unilaterais: do concedente e do concessionário; d) a do ato unilateral plural perfeito, pela simples manifestação conjunta da vontade do concedente e concessionário.
Na segunda categoria doutrinária, também, existem quatro teorias a serem examinadas: a) a do contrato de direito privado, entre concedente e concessionário; b) a do ato administrativo do concedente e consequente contrato de direito privado entre ele e o concessionário; c) a do contrato de direito misto: público e privado, acordado entre concedente e concessionário; d) a do contrato de direito público, entabolado entre concedente e concessionário.
Na terceira categoria doutrinária, finalmente, se encontram três teorias fundamentais: a) a do ato unilateral do concedente com contrato complementar anexo entre este e o concessionário, regendo o aspecto patrimonial do negócio; b) a do contrato entre concedente e concessionário, com ato unilateral daquele, dispondo sobre a organização e funcionamento do serviço; c) a do ato-união, entre concedente e concessionário, estabelecendo a concessão, completado pelo ato unilateral do concedente, regendo a organização, funcionamento do serviço e contrato, entre ele e o concessionário, dispondo sobre o aspecto patrimonial do negócio.
§ 2°.As teorias unilaterais30. Os prosélitos das teorias unilaterais entendem que a concessão se institui por ato do Poder Público, isto é, por simples manifestação de vontade do concedente. A vontade do concessionário pode ser admitida, apenas, como ato complementar da concessão, sendo preponderante a vontade emanada do ato da Administração. Este outorga o serviço público dentro de determinada forma e para ser exercido nos moldes e condições por ele fixados, aquele, quando muito, aquiesce sobre o exercício do serviço, tendo em vista vantagens econômicas que pode obter da sua exploração.
31. A princípio, sustentou-se que ela decorria de simples ato de império e, dada a posição preponderante do ato de autoridade, fica o concessionário a ele vinculado, independentemente de qualquer manifestação de vontade, pró ou contra, em assumir as responsabilidades do serviço, impostas pelo concedente. Em consequência, o ato da concessão gerava, apenas, obrigações do concessionário para com o concedente, sem lhe conferir qualquer direito. Trata-se de teoria baseada em concepção autoritária do Estado e, por isso, havida como teoria política. Afirmavam que cumpria a todos os particulares prestar serviços ao Estado,
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