Procedimentos administrativos de competição

Administrative competition procedures

Autores

  • Carlos Ari Sundfeld Fundação Getúlio Vargas (São Paulo, São Paulo, Brazil)

DOI:

https://doi.org/10.48143/RDAI.16.sundfeld

Resumo

1 Introdução
Na realização do interesse público, em suas variadas formas, o Poder Público é obrigado a valer-se ou relacionar-se com particulares. Por um lado, estes são chamados a uma colaboração remunerada com o Estado, que pode ser estabelecida por múltiplos meios. São exemplos: a) a aquisição de bens ou serviços de que necessita a Administração; b) a concessão ou permissão para a prestação de serviço público; c) a admissão de particulares como funcionários e servidores. De outro, a implementação do interesse pública pode dar-se com a outorga do direito de desfrute de um bem ou serviço público. Quanto aos bens, o Estado emprega técnicas que vão da alienação à concessão de direito de uso sobre imóveis, passando pela locação, pelo direito de lavra etc. Quanto aos serviços, para cumprimento de sua finalidade, o Poder Público escolhe os particulares que poderão utilizá-los. Algumas vezes, no caso, p. ex., da utilização de serviço público, é possível à Administração oferecê-lo a todo e qualquer interessado. No mais das vezes, contudo, o relacionamento com o particular cria para este um benefício que não pode ser concedido a todos os interessados. Um serviço de porte limitado, como o da telefonia, o da educação superior; um contrato para construção de determinada obra; o direito de uso de um imóvel; não podem, face às restrições materiais, ser outorgados a todos os particulares. É necessário, então, que, dentre o universo de interessados aptos, a Administração escolha um ou alguns. Como realizar esta escolha? Um empresário privado que, em sua atividade, se defronta com a necessidade de uma opção dessa espécie (Com que fornecedor contratará? Quem será seu empregado?), decidirá livremente. Havendo dezenas de interessados no emprego, poderá escolher seu filho, por ser seu filho, ou qualquer outro, por ser melhor. Optará pelo fornecedor A, seu amigo, ou pelo B, o mais especializado, ou pelo X, que ofereceu bom preço. Em suma, poderá eleger livremente os critérios para a escolha. Quando a questão se põe para o Poder Público, a situação é diversa, posto que os fins da atividade estatal não são eleitos pelo administrador, mas impostos pelo ordenamento jurídica. Dentre os princípios que a governam, estão o da igualdade e o da boa administração. Igualdade que, consagrada no art. 153, § 1º, da Constituição da República, exige a consideração equânime e imparcial da expectativa dos múltiplos interessados no estabelecimento da relação com o Estado. Boa administração que, defluente da principiologia fundamental da Constituição, obriga o administrador a escolher, dentre os interessados, justamente aquele que se demonstre o apto a atender, da forma mais adequada possível, o interesse público em jogo. A vontade estatal, em consequência, não é livre, mas submetida a fins cogentes. No caso em discussão — instituição de um benefício direto ao particular, que não pode ser disseminado entre todos os interessados aptos —, o ato de escolha deverá estar absolutamente afinado com os princípios da igualdade e da boa administração. Esta compatibilização não é simples, antes exige o manejo de uma extensa malha de critérios, que permitam identificar e valorar de forma precisa as características diferenciadoras dos vários interessados. Percebe-se, assim, a necessidade de um controle rigoroso do processo formativo da vontade estatal, de modo a garantir o respeito a tais princípios. Isto porque o simples exame do ato final de escolha não possibilita a aferição de seu afinamento com eles. Realmente, quando se trata de comparar as vantagens de escolher um ou outro interessado, o universo fático envolvido é quase infinito e, sem que ele esteja ordenado com método, jamais se saberá como foi considerado. Para maior clareza, figuremos dois exemplos de atos estatais, um decidindo uma disputa entre milhares de pretendentes a um cargo vago de médico e outro deferindo uma licença de construir. No caso da licença, a operação intelectual do agente para verificar a compatibilidade do projeto com os requisitos legais é relativamente simples, porque é pouco extenso o universo fático a considerar (dimensões do terreno, número de pavimentos, recuos etc.) No preenchimento do cargo de médico, a operação intelectual do agente é muito mais sofisticada: não basta examinar as características de um médico em particular (sua formação, experiência, idoneidade etc.) e confrontá-las com certos requisitos legais. É necessário, em primeiro lugar, conhecer o universo dos interessados. Depois, saber quais deles preenchem os requisitos mínimos de admissão. Por fim, comparar, dentre todos os aptos, as qualidades pessoais, a fim de saber quem é o melhor. Vê-se a complexidade do processamento desses dados e deu controle. As informações sobre cada candidato estão corretas? As características escolhidas para a comparação são idôneas? A valorização delas se fez sempre com os mesmos critérios? O peso de cada característica na decisão final foi justificado e idêntico para todos? No caso da licença, mesmo que se desconheça qual foi o processo para a tomada da decisão, é normalmente possível reconstituí-lo posteriormente, para apurar a juridicidade do deferimento. Na nomeação do médico, contudo, é perceptível esta impossibilidade. Destarte, o processo de formação dessa decisão há de ser rigidamente estabelecido e acompanhado pelos interessados e pelos órgãos estatais de controle. Para tanto, o Direito concebeu uma técnica, a do “processo” ou “procedimento”, que canaliza o iter formativo da vontade estatal. Trata-se de uma técnica aplicada a todas as atividades estatais — legislação, administração, jurisdição — mas que, como todos sabem, teve seu desenvolvimento mais acentuado na esfera judicial. Na seara administrativa, o fenômeno tem merecido pouco interesse, embora constitua um dos mais transcendentes e fecundos campos de meditação para o jurista. Porém, para felicidade nossa, é justamente no tocante aos procedimentos administrativos de competição que o estudo da matéria mais se desenvolve, ligado ao problema da licitação. Nosso estudo tem, em consequência, uma intenção restrita. Não se trata de retomar o tema das licitações, já tratado em obras sérias e profundas. Importa-nos apenas, como contribuição para uma teoria geral do procedimento administrativo, iluminar alguns enfoques pouco explorados. Com efeito, as hipóteses às quais se aplica o procedimento da licitação não esgotam todos os casos em que, por criar-se para um particular um benefício pessoal direto não generalizável a todos os pretendentes, exige-se um procedimento. É útil, então, tentar uma análise conjunta de todos os procedimentos da espécie, que se mostrara reveladora. De outro lado, embora existam algumas tentativas de elaboração de uma teoria geral do procedimento administrativo — sobretudo com a identificação de seus princípios fundamentais — elas têm sido formuladas com atenção a outras espécies de procedimentos (o disciplinar, principalmente), sem a consideração dos casos ora em análise. É necessário, por isso, buscar um entrosamento entre estes estudos, que, indevidamente, têm sido feitos de modo totalmente autônomo: o da teoria geral do procedimento e o das licitações.

2 Fundamento da exigência do procedimento de competição
Tem sido longa a discussão doutrinária sobre os princípios da licitação, que os autores procuram organizar de acordo com a sua percepção do fenômeno. Valendo-nos da excelente resenha procedida por Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz (Dispensa de Licitação, Ed. RT, 1980, pp. 10 e ss.), podemos enumerar os princípios mais frequentemente citados: igualdade, publicidade, fiscalização, obediência às cláusulas fixadas no instrumento de abertura, utilidade pública, legalidade, racionalidade, formalismo, sigilo das propostas, julgamento objetivo, adjudicação ao vencedor, competição, conveniência administrativa, finalidade e moralidade. Ninguém negará que, ao menos aproximadamente, todas as ideias expressas por tais “princípios” estão alojadas dentro da licitação, tal qual conhecida em nosso Direito. Porém, algumas delas têm hierarquia e densidade diferenciada, de modo a poderem abrigar em seu contexto significativo alguma ou algumas das demais. A nosso ver, tendo em conta inclusive a pretensão de analisar mais amplamente o fenômeno, é preciso distinguir, dentre tais ideias, duas séries delas. Inicialmente, a preocupação há de ser com o fundamento da exigência de um procedimento administrativo para a escolha do particular com quem a Administração vai estabelecer um liame jurídico. Em seguida, procurar quais são as técnicas de sistematização desse procedimento para fazê-lo adequado ao mesmo fundamento. É evidente a conexão entre os dois planos, mas a análise separada tem suas vantagens. Ao identificarmos o fundamento jurídico da exigência do procedimento, poderemos saber qual sua finalidade e, em consequência, em que casos ele é obrigatório. Ao definirmos as técnicas possíveis de sistematização do procedimento para que este possa realizar as finalidades apontadas, saberemos distinguir as técnicas obrigatórias, possíveis e vedadas. Esta forma de análise segue, em grandes linhas, a adotada por Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz que apartam, em tema de licitação, os princípios constitucionais dos infraconstitucionais. Assim, consideramos como princípios o da igualdade e o da boa administração, que fundamentam a existência do procedimento como já exposto na abertura deste trabalho. Ao invocá-los, podemos definir a abrangência da obrigatoriedade do procedimento: todas as hipóteses em que o Poder Público, ao estabelecer com um particular uma colaboração remunerada, ou propiciar-lhe o desfrute de um bem ou serviço público, criar para este um benefício pessoal direto que não pode ser concedido a todos os interessados aptos. O traço fundamental deste critério é a “criação de um benefício pessoal direto que não pode ser estendido a todos os interessados aptos”. Existem hipóteses em que o bem público é desfrutável por todos os interessados, como uma praça, uma rua, um ginásio de esportes. Nestes casos, porque não se vai restringir o universo de beneficiários, nem se cogita de um procedimento administrativo de competição. O mesmo para um serviço público, como o de transporte coletivos, o de assistência médica etc. Sem embargo, em hipóteses tais, é possível a existência de um procedimento com finalidade mais restrita: verificar o atendimento, pelo interessado, de certos requisitos fixados em lei. O acesso a um ginásio de esportes pode ser limitado aos maiores de 14 anos, no gozo de perfeita saúde física e mental. No procedimento, verificar-se-á se o pretendente à admissão preenche os requisitos de lei e, só se verificada a aptidão, será deferido o pedido. Percebe-se facilmente que tal espécie de procedimento não se preordena à preservação da igualdade, que não chega a ser cogitada. Decerto que a isonomia há de estar atendida pelo legislador quando fixa os critérios para a admissão do sujeito, e preservada pelo Poder Público ao fazer sua aplicação. Mas seu atendimento não pressupõe um procedimento administrativo com esta finalidade específica, justamente porque decorre diretamente dos critérios adotados na lei. Assim, o procedimento terá outra finalidade, o de permitir a adequada aplicação da lei e seu controle pelo indivíduo, sem que sua falta, só por só, defina um atentado à igualdade. Contudo, quando vários sujeitos, todos aptos à obtenção de um benefício, são obrigados a disputar o direto a ele, a ausência de um procedimento administrativo gera automaticamente o agravo à isonomia. Quando a decisão da autoridade pressupõe uma comparação entre qualidades dos sujeitos, para a escolha da opção melhor, é impossível à lei conceber, sem um procedimento específico, técnicas para a decisão que não ensejem tratamento desigualado. Logo, o procedimento administrativo, que chamamos “procedimento de competição”, é indispensável. De outro lado, temos o princípio da boa administração, pelo qual o administrador está vinculado a encontrar, dentre os pretendentes aptos, o melhor para o interesse público, tendo em vista a defesa do patrimônio estatal, a moralidade etc. A ausência de um “procedimento de competição” regular prejudica não só os interesses dos particulares, mas compromete a descoberta desse “melhor” que, como dissemos, só pode ser feita através de uma adequada comparação de vantagens. Assim, mesmo quando os possíveis interessados componham seus interesses, formulando acordo para atribuir a algum deles o objeto em disputa (caso em que não mais estaria em pauta o problema da igualdade), o procedimento de competição é essencial à decisão, já que, sem ele, torna-se impossível um julgamento atento à boa administração. Os princípios da igualdade e da boa administração, conjugados, determinam a necessidade da adoção de técnicas procedimentais para a decisão. São o fundamento da exigência do procedimento. Contudo, como é evidente, não é qualquer procedimento que atende a tais princípios. Este deve ser ordenado por técnicas específicas, por princípios sistematizadores, especialmente concebidos em função da igualdade e da boa administração.

3 Princípios sistematizadores do procedimento de competição
Augustin Gordillo, um dos mais notáveis juspublicistas latino-americanos, preocupou-se em formular uma teoria geral do procedimento administrativo, através do qual, segundo diz, se manifesta toda a atividade estatal do tipo administrativo (Teoría General del Derecho Administrativo, Instituto de Estudos de Administración Local, Madrid, 1984, p. 646). Para tanto, procurou elencar os princípios que o informam, dos quais se destacam: a) Legalidade objetiva. Os procedimentos administrativos visam não apenas a proteção do indivíduo, mas também a defesa da norma jurídica. b) Oficialidade. O procedimento é impulsionado de ofício pela autoridade, inclusive no que atina à instrução probatória, mesmo quando resulte de provocação do interessado. Nele prevalece, à semelhança do processo penal, a busca da verdade material, não meramente formal. c) Informalismo em Favor do Administrado. Aceitando uma ideia corrente — a de que o procedimento administrativo não se governa por formas estritas —, o autor adverte que este informalismo só se admite em favor do administrado: “é unicamente o administrado quem pode invocar para si a elasticidade das normas de procedimento, na medida em que elas o beneficiam” (ob. cit., p. 664). d) Devido Processo (Garantia de Defesa). O princípio da defesa em juízo é aplicável ao procedimento administrativo, por constituir um princípio geral do direito, desdobrando-se em: direito de ser ouvido, de oferecer e produzir prova e de controlar a produção da prova feita pela Administração. e) Contraditório. Aplicável sobretudo quando existirem interesses contrapostos no procedimento (concurso, licitações etc.), em nome da “participação igualitária dos interessados.”
Esta suma é encontrável, com maior ou menor desenvolvimento, nos vários autores que se preocuparam com a matéria. Não obstante, ao ensejo de examinar as técnicas de ordenação dos procedimentos de competição, ficará claro como tais princípios gerais não são aplicáveis em bloco a tais procedimentos, o que evidencia que não são gerais. De outro lado, vários dos princípios elencados pela doutrina como próprios da licitação, ou são princípios retores de todo direito administrativo ou de qualquer procedimento administrativo, de modo que, conquanto pertinentes, não servem para caracterizar a especificidade dos procedimentos de competição. Assim, sem preocupação com uma ordem específica, calha analisar rapidamente, sejam os princípios ditos gerais, sejam os princípios ditos da licitação, para saber da possibilidade de seu aproveitamento como princípios do procedimento de competição. Nesse estudo, não se pretende criticar ou contestar as propostas dos vários autores, mas apenas sistematizar, com outro objetivo e, portanto, de outro modo, os princípios por eles arrolados. Nestas condições, classificaremos tais ideias em três grandes chaves: a) inicialmente, os princípios comuns a todo o direito administrativo e que não apresentam feição diferenciada em tema de procedimento; b) em seguida, os princípios comuns a todos os procedimentos administrativos; c) por fim, os que se aplicam a algumas, mas não todas, espécies de procedimento.
1) No primeiro grupo, dos princípios encontráveis — ao menos em forma assemelhada — em todo Direito Administrativo, temos os da racionalidade, utilidade pública, finalidade, conveniência, julgamento objetivo e legalidade objetiva. 2) No segundo — o dos princípios gerais, aplicáveis a qualquer procedimento administrativo —, temos: a) o da oficialidade, como proposto por Gordillo; b) o da publicidade, vez que não se concebem procedimentos dos quais não tenha ciência ao menos o interessado; c) o da fiscalização, pois se todo procedimento, ademais de servir à aplicação objetiva da lei (o que interessa à Administração), existe para propiciar ao administrado um controle sobre o processo formativo da vontade estatal, segue-se necessariamente que o interessado tem direito de permanente fiscalização dos atos procedimentais; d) obediência ao ato de abertura do procedimento, que é uma aplicação específica do princípio do “respeito aos atos próprios” e que encontra abrigo em todos os procedimentos, como os sancionatórios (em que o ato de instauração circunscreve o campo para a defesa) e os de competição (como a licitação). 3) O terceiro segmento engloba princípios que não se aplicam a todos os procedimentos administrativos. O do informalismo poderá, em benefício do administrado, aplicar-se p. ex. no procedimento sancionatório, para admitir uma prova absolutória não produzida no devido tempo. Mas não se aplica aos procedimentos de competição, em que a rígida seriação dos atos e termos processuais é condição essencial para a existência de uma disputa equânime. O princípio da verdade material, aceito de regra para os procedimentos sancionatórios, é inaplicável à licitação: a Administração não pode, ao julgar propostas, levar em conta senão a verdade contida nos autos do procedimento, descabendo basear sua decisão em vantagens ou desvantagens que, embora não decorrentes da proposta, sejam trazidas por outra forma a seu conhecimento. Por fim, o princípio da garantia de defesa só tem sentido em procedimento sancionatório, nenhuma repercussão podendo ter em procedimentos — como os de competição — em que não se trata de impor gravames a um acusado, mas de conceder benefícios a interessados. Postas estas considerações, entendemos possam ser extraídos três vetores básicos, necessariamente presentes em todo o procedimento dirigidos à produção de um ato gerador de benefício pessoal direto que não possa ser estendido a todos os interessados aptos: a) o da duplicidade especial; b) o da concorrência (contraditório); c) o do formalismo.
a) A publicidade, na licitação, p. ex., nunca pode ser dirigida a um único sujeito. Em primeiro lugar, deve sempre atingir vários interessados aptos, para que estes avaliem a conveniência de ingressar na disputa. Em segundo, há de permitir a fiscalização permanente e contemporânea ao certame por parte de qualquer pessoa. O mesmo não se dá com o procedimento sancionador, em que, inclusive para proteção do acusado, é possível a restrição da publicidade apenas a ele. b) A concorrência, ou contraditório, é princípio indispensável dos procedimentos da espécie, cujo objetivo é justamente comparar vantagens e desvantagens dos candidatos. Por força dela, a participação dos interessados no procedimento há de ser concebida de tal modo que enseje a oportunidade de uma comparação a mais possível objetiva, o que se obtém concedendo idêntica oportunidade de participação e julgando os candidatos pelos mesmos critérios. c) Por fim, o formalismo, vale dizer, a obediência a etapas rígida e previamente seriadas, é condição para lisura do certame, evitando a criação ad hoc de etapas que beneficiem concorrentes específicos. Isto é, em grandes linhas, o que há necessariamente de comum a todos os procedimentos de competição.

4 Utilidade do enfoque proposto
A análise a que se procedeu parece, à primeira vista, um exercício acadêmico, desconectado de qualquer aplicação prática. Para que servirá? É simples explicá-lo. A identificação dos fundamentos dos procedimentos de competição, ademais de fornecer as grandes balizas de sua sistematização, permite delimitar o campo de sua aplicação. Com isto, mesmo à míngua de lei, estaremos habilitados a afirmar a necessidade de um procedimento do gênero em casos outros que não os da admissão de funcionários públicos efetivos (em que há previsão constitucional específica — art. 97, §1º) e os hoje abrangidos pela licitação (normalmente previstos em lei). Assim, afirmaremos ser inconstitucional omitir o procedimento na admissão dos servidores celetistas ou dos sujeitos ao regime especial, na aceitação de estudante em universidade pública, na outorga de direito de uso de linha telefônica etc. Ademais, esclarece-se porque a legislação sobre licitações não trata de matéria financeira, o que pretendem alguns para atribuir competência legislativa à União, nos termos do art. 8º, XVII, “c”, da Carta da República. Ora ao se demonstrar que a licitação nada mais é que uma espécie de procedimento de competição, que se une, na finalidade e sistematização básica, ao concurso, à seleção pública e ao vestibular — outras espécies — ter-se-á deixado fora de dúvida tratar-se de matéria administrativa, na qual União, Estados e Municípios legislam para si. Finalmente, teremos um norte jurídico para a solução das lacunas da lei. Se falta lei municipal sobre licitações, é correto que, ao invés de buscar-se diretamente o direito estatal ou federal, se pesquise antes a legislação municipal sobre procedimentos de competição, que poderá ser aplicada analogicamente ao caso no qual se pôs a lacuna.

Biografia do Autor

Carlos Ari Sundfeld, Fundação Getúlio Vargas (São Paulo, São Paulo, Brazil)

Professor Titular da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV Direito SP, da qual foi um dos fundadores. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, criada em 1993, que mantém a Escola de Formação Pública – EFP, em parceria com a FGV Direito SP. Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, da qual foi professor no Doutorado, Mestrado e Graduação (1983-2013).

Arquivos adicionais

Publicado

2021-01-09

Como Citar

SUNDFELD, Carlos Ari. Procedimentos administrativos de competição: Administrative competition procedures. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura | RDAI, São Paulo: Thomson Reuters | Livraria RT, v. 5, n. 16, p. 375–382, 2021. DOI: 10.48143/RDAI.16.sundfeld. Disponível em: https://rdai.com.br/index.php/rdai/article/view/262. Acesso em: 26 abr. 2024.

Edição

Seção

Memória do Direito Administrativo | Retrospective of Administrative Law