Retrocessão no Direito Brasileiro
Retrocession Under Brazilian Law
DOI:
https://doi.org/10.48143/RDAI.11.rfoResumo
1 Modo de enfoque do problema
Todo e qualquer estudo de direito há de partir não de análises pré-jurídicas ou sociológicas, mas é imperioso que seja ele perquirido à luz do Direito positivo. Despiciendo, daí, todo envolvimento com posições e estudos realizados em outros países, salvo para aprimoramento cultural. Evidente que a análise do Direito comparado passa a interessar se o direito alienígena possuir norma igual ou assemelhada à existente no Direito brasileiro. A menção retrospectiva do direito comparado resultaria inútil, da perspectiva de utilidade prática deste trabalho. Mesmo porque, como assinala Marcelo Caetano “há países onde o expropriado pode requerer a reversão ou retrocessão dos bens, restituindo a indenização recebida, ou o expropriante tem o dever de oferecer os bens ao expropriado mediante a devolução do valor pago" (Princípios fundamentais do Direito Administrativo, 1977, p. 468) enquanto que "noutros países entende-se que, em qualquer caso, a conversão dos bens desapropriados no montante da indenização paga é definitiva. Portanto, nunca haverá lugar a reversão ou retrocessão dos bens” (idem, ibidem). Afigura-se-nos dispensável e sem qualquer utilidade prática a apresentação de uma resenha da doutrina estrangeira a propósito do tema. Apenas será feita menção a alguns autores, na medida em que suas afirmações interessarem à análise. Observe-se, tão-somente que o direito de retrocessão em espécie é reconhecido em diversas legislações. Na Itália há previsão legal (art. 60 da Lei 2.359, de 25.6.1865) o mesmo ocorrendo na França (art. 54 do Dec. 58.997, de 23. 10. 58, que fixa o prazo de 10 anos a contar do decreto de desapropriação para que se requeira a retrocessão). Em Portugal há dispositivo semelhante (art. 8 º da Lei 2 .030, de 22.6.48); o que acontece também na Espanha (art. 54 da Lei de 15. 12. 54) e na Alemanha (Lei de 23. 2.57, em seu § 102) Demais de tal inicial observação, perigoso é o estudo de qualquer instituto jurídico atrelado à lei. Impõe-se a análise de determinado instituto a partir da Constituição. Daí inicia-se o estudo da retrocessão.
2 Desapropriação. Desvio de poder
Dispõe o § 22 do art. 153 da Lei Maior "que é assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante previa e justa indenização em dinheiro...”. Assegura-se o direito de propriedade que cede apenas, ante o interesse coletivo, representado pelo Estado. Ao mesmo tempo em que garante a propriedade, a Constituição assegura ao Estado o poder de retirá-la mediante desapropriação. Esta pode ser entendida como "o procedimento administrativo através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire para si, mediante indenização, fundada em um interesse público" (Elementos de Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello, 1980, p. 188). Caracteriza-se a desapropriação pela retirada compulsória do bem do domínio particular, com sua transferência ao domínio público, sob fundamento de interesse público mediante indenização. O fulcro da permissão legal para a transferência do domínio é o interesse público, ou seja, finalidade prevista no próprio ordenamento jurídico a ser perseguido pelo Estado. Sob a rubrica interesse público albergam-se todos os conteúdos possíveis de utilidade coletiva desde que alcançados pelo sistema de normas (sob o rótulo interesse público acolhe-se a necessidade ou utilidade pública e o interesse social). O poder de desapropriação deflui do domínio eminente que possui o Poder Público sobre todas as coisas materiais e imateriais sujeitas ao âmbito espacial de validade do sistema jurídico. O poder de desapropriação pode ser decomposto em três aspectos: a) transferência compulsória de alguma coisa; b) mediante indenização e c) sob o fundamento de interesse público. A desapropriação, como forma originária de aquisição de domínio, implica na compulsoriedade da transferência do bem do domínio particular para o público. Sempre haverá indenização, devidamente apurada através do processo próprio ou mediante acordo de vontades. E, o que mais nos interessa, há que vir fundamentada em interesse público, sob pena de invalidade. A competência, no Direito, não é dada a qualquer título. Sempre é outorgada a determinado agente para que persiga interesses coletivos ou mais propriamente denominados públicos, sendo estes apurados pela análise de todo o sistema de normas. A visão completa da competência apenas pode ser entrevista, pois, em contraste com a finalidade descrita na norma legal. Desviando-se o agente administrativo dos fins que lhe foram traçados pelo sistema de normas, incide no desvio de poder (ou de finalidade, como dizem alguns).
3 Conceito de retrocessão
A retrocessão implica no direito do expropriado de retomar a propriedade do imóvel que lhe fora retirada compulsoriamente pelo Poder Público. Os léxicos consignam que "retrocessão é o ato pelo qual o adquirente de um bem transfere de volta a propriedade desse bem àquele de quem o adquiriu" (Novo Dicionário Aurélio, lª ed., p. 1.231). Assinala Oliveira Cruz que "a retrocessão é um instituto de Direito Público, destinado a fazer voltar ao domínio do desapropriado os bens que saíram do seu patrimônio, por efeito de uma desapropriação por utilidade pública" (Da desapropriação, p. 119). E, acrescenta que "a retrocessão tem, indiscutivelmente, uma feição real porque significa um direito que só se desliga do imóvel quando preenchidos os fins determinantes da desapropriação" (ob. cit., p. 121). Assim entendida a retrocessão, como defluente do próprio preceito constitucional que assegura a propriedade e resguarda sua retirada apenas e exclusivamente pela desapropriação por necessidade, utilidade pública ou interesse social, não há como confundi-la com a preempção ou prelação, ou assimilá-la a qualquer tipo de direito pessoal. A fixação de tal premissa é fundamental para todo o desenvolvimento do trabalho e para alicerçar as conclusões que serão apontadas ao final. Daí porque não se pode concordar com a assertiva feita por alguns autores de que se cuida de simples obrigação imposta ao Poder Público de oferecer ao ex-proprietário o bem que lhe desapropriou, se este não tiver o destino para o qual fora expropriado (Múcio de Campos Maia, "Ensaio sobre a retrocessão", in RDA, 34/1-11). Pela própria dúvida no conteúdo do conceito, já os autores manifestaram-se surpresos e a jurisprudência claudicou sobre a análise do tema. Muitos julgados, inclusive, chegaram a admitir a inexistência da retrocessão no Direito brasileiro. Mas, pela análise que será feita e pelas conclusões a que se chegará, ver-se-á não só da existência do instituto no Direito brasileiro, sendo despicienda a indagação do Direito Civil a respeito, defluindo o instituto da só análise do texto constitucional brasileiro. A retrocessão é mero corolário do direito de propriedade, constitucionalmente consagrado e decorre do direito emergente da não utilização do bem desapropriado para o fim de interesse público. Sob tal conteúdo é que o conceito será analisado.
4 Desenvolvimento histórico, no Brasil
Em estudo sobre o aspecto histórico do desenvolvimento da retrocessão no Direito brasileiro Ebert Chamoun escreveu que o inc. XXII do art. 179 da Constituição do Império, de 25. 3. 1824 dispôs sobre a possibilidade da desapropriação. E a Lei provincial 57, de 18.3.1836 pela vez primeira cuidou da retrocessão, assegurando que, na hipótese de desapropriação caberia "recurso à Assembleia Legislativa provincial para a restituição da propriedade ... " A admissibilidade da retrocessão foi aceita pelo STF que assim deixou decidido: “que abrindo a mesma Constituição à plenitude o direito de propriedade no art. 72, § 17, a exceção singular da desapropriação por utilidade pública presumida, desde a certeza de não existir tal necessidade, o ato de desapropriação se equipara a violência (V) e deve se rescindir mediante ação do espoliado" (O Direito, vol. 67, 1895, p. 47). A referência é à Constituição republicana de 24.2.1891. Em sua Nova Consolidação das Leis Civis vigentes em 11 de agosto de 1899, Carlos de Carvalho escrevia o art. 855 "se verificada a desapropriação, cessar a causa que a determinou ou a propriedade não for aplicada ao fim para o qual foi desapropriada, considera-se resolvida a desapropriação, e o proprietário desapropriado poderá reivindicá-la". Diversas leis cuidaram do assunto, culminando com a edição do art. 1.150 do CC (LGL\2002\400) que dispôs: ''A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tenha o destino para que se desapropriou". Criou-se, assim, o direito de preempção ou preferência, como cláusula especial à compra e venda. As Constituições que se seguiram igualmente asseguraram o direito de propriedade (a de 1934, no art. 113, 17; a de 1937, no art. 122, 14; a de 1946, no § 16 do art. 141). A Constituição de 1967 igualmente protegeu, juridicamente, a propriedade, permanecendo a garantia com a EC 1/69.
5 Hipóteses de retrocessão
O instituto da retrocessão foi bem analisado por Landi e Potenza quando escrevem que "fatta l'espropriazione, se l'opera non siasi eseguita, e siano trascorsi i termini a tal uopo concessi o prorogati, gli espropriati potranno domandare che sia dall'autorità giudiziaria competente pronunciata la decadenza dell'ottenuta dichiarazione di pubblica utilità, e siano loro restituiti i beni espropriati. In altri termini, la mancata esecuzione dall'opera dimostra l'insussistenza dell’interesse pubblico, che aveva determinato l'affievolimento del diritto di proprietà" (Manuale di Diritto Amministrativo, 1960, p. 501). Mas não é só a falta de destinação do bem a interesse público ou a não construção da obra para que teria sido o imóvel desapropriado que implica na possibilidade de retrocessão, afirmam os autores citados. Também no caso em que ''l'opera pubblica sia stata eseguita: ma qualche fondo, a tal fine espropriato, non abbia ricevuto in tutto o in parte la prevista destinazione" (ob. cit., p. 501). A retrocessão, pois, deflui, do que se lê da lição dos autores transcritos, na faculdade de o expropriado reaver o próprio bem declarado de utilidade pública, - quando lhe tenha sido dado destinação diversa da declarada no ato expropriatório ou não lhe tenha sido dada destinação alguma. De outro lado, esclarece André de Laubadere que "si l'immeuble exproprié ne reçoit pas la destination prévue dans la déclaration d'utilité publique, il est juste que le propriétaire exproprié puisse le récupérer. C'est l'institution de la rétrocession" (Traité deDroit Administratif, 6." ed., 2. 0 vol., p. 250). No direito brasileiro, os conceitos são praticamente uniformes. Eurico Sodré entende que "retrocessão é o direito do ex-proprietário de reaver o imóvel desapropriado, quando este não tenha tido utilização a que era destinado" (A desapropriação por necessidade ou utilidade pública, 1928, pp. 85-86). Firmino Whitaker afirma que "é direito que tem o ex-proprietário de readquirir o imóvel desapropriado mediante a restituição do valor recebido, quando não tenha sido o mesmo imóvel aplicado em serviço de ordem pública" (Desapropriação, 3ª ed., p. 23, 1946). Cretella Junior leciona que "é o direito do proprietário do imóvel desapropriado de reavê-lo ou de receber perdas e danos, pelos prejuízos sofridos, sempre que ocorrer inaproveitamento, cogitação de venda ou desvio de poder do bem expropriado" (Comentários às leis de desapropriação, 2.ª ed., 2.ª tiragem, 1976, p. 409). Fazendo a distinção prevista por Landi e Potenza, escreve Marienhoff que "la retrocesión, en cambio, sólo puede tener lugar en las dos siguientes hipótesis: a) cuando, después de la cesión amistosa o avenimiento, o después de terminado el juicio de expropiación, el expropiante afecta el bien o cosa a un destino diferente del tenido en cuenta por el legislador ai disponer la expropiación y hacer la respectiva calificación de utilidad publica; b) cuando efectuada la cesión amistosa o avenimiento, o terminado el juicio de expropiación, y transcurrido cierto plazo el expropiante no le dá al bien o cosa destino alguno" (Tratado de Derecho Administrativo, T. IV, 2ª ed., p. 369). Embora os autores costumem distinguir as hipóteses de cabimento da retrocessão, parece-nos que no caso de o Poder Público alterar a finalidade para que houvera decretado a desapropriação não existe o direito à retrocessão. Isto porque a Constituição Federal como já se viu, alberga no conceito "interesse público" a mais polimorfa gama de interesses. Assim, se desapropriado imóvel para a construção de uma escola, mas constrói-se um hospital, não nos parece ter havido "desvio de poder" ou de "finalidade". Simplesmente houve desvio do fim imediato, mas perdura o fim remoto. O interesse público maior, presente no ordenamento jurídico ficou atendido. Simplesmente, por interesses imediatos do Poder Público, mas sempre dentro da competência outorgada pela legislação, o agente entendeu de dar outra destinação à coisa expropriada. Em tal hipótese, não parece ter havido desvio de poder, hábil a legitimar a retrocessão. De tal sentir é Celso Antônio Bandeira de Mello quando afirma "convém ressaltar enfaticamente, contudo, que a jurisprudência brasileira pacificou-se no entendimento de que se o bem desapropriado para uma específica finalidade for utilizado em outra finalidade pública, não há vício algum que enseje ao particular ação de retrocessão (tal como é concebida hoje), considerando que, no caso, inexistiu violação do direito de preferência" (ob. cit., p. 210). Cita o autor a jurisprudência mencionada (RDP, 2/213, 3/242 e em RDA, 88/158 e 102/188). A doutrina é remançosa em afirmar a possibilidade de ser o bem empregado em outra finalidade diversa da alegada no decreto expropriatório ou na lei, desde que também de utilidade pública (Adroaldo Mesquita da Costa, in RDA, 93 /377; Alcino Falcão, Constituição Anotada, vol. II, pp. 149/SO; Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição Brasileira, 1954, vol. III, p. 115; Diogo Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito Administrativo, vol. 2, p. 116; Ebert Chamoun, Da retrocessão nas desapropriações, pp. 74 e ss.; Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 2.ª ed., p. 505; Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda Constituição n.º 1, de 1969, T. V, pp. 445/6; Cretella Junior, Tratado de Direito Administrativo, vol. IX, pp. 165/6). A jurisprudência a respeito é farta (RTJ, 39/495, 42/195 e 57 /46). Mais recentemente decidiu-se que "não cabe retrocessão quando o imóvel expropriado tem destino diverso, vias de utilidade pública" (RDA, 127 /440). Poucos autores manifestam-se em sentido contrário, ou seja, pela inadmissibilidade de aplicação do destino do bem em outra finalidade que não a invocada no decreto ou lei que estipula a desapropriação (Hélio Moraes de Siqueira, A retrocessão nas desapropriações, p. 61 e Miguel Seabra Fagundes, Da desapropriação no Direito brasileiro, 1949, p. 400). Tais indicações foram colhidas na excelente Desapropriação – Indicações de Doutrina e Jurisprudência de Sérgio Ferraz, pp. 122/124. Já diversa é a consequência quando o imóvel não é utilizado para qualquer fim, ficando ele sem destinação específica, implicando, praticamente, no abandono do imóvel. Daí surge, realmente, o problema da retrocessão. Mas, emergem questões prévias a serem resolvidas. Como se conta o prazo, se é que há, para que se legitime o expropriado, ativamente? Em consequência da solução a ser dada à questão anterior, cuida-se a retrocessão de direito real ou pessoal, isto é, a não utilização do bem expropriado enseja reivindicação ou indenização por perdas e danos? Estas questões são cruciais e têm atormentado os juristas. Passemos a tentar equacioná-las.
6 Momento do surgimento do direito de retrocessão
Entende Cretella Júnior que há dois momentos para que se considere o nascimento do direito de ingressar com a ação de retrocessão. Mediante ato expresso ou por ato tácito. "Mediante ato expresso, que mencione a desistência do uso da coisa expropriada e notifique o ex-proprietário de que pode, por ação própria, exercer o direito de retrocessão" (Comentários às leis de desapropriação, p. 415) ou através de ato tácito, ou seja, pela conduta da Administração que permita prever a desistência de utilização do bem expropriado, possibilitando ao antigo proprietário o exercício do direito de preferência...” (ob. cit., p. 416). De igual teor a lição de Eurico Sodré, A desapropriação por necessidade ou utilidade pública, 2.ª ed., p. 289. A jurisprudência já se manifestou em tal sentido (RTJ, 57 /46). Ebert Chamoun (ob. cit., pp. 80 e ss.) entende que apenas por ato inequívoco da administração tem cabimento a ação de retrocessão. Jamais se poderia julgar pela procedência da ação que visasse a retrocessão, desde que o Poder Público alegue que ainda vá utilizar o bem. Afirma o citado autor que "é assim, necessário frisar que o emprego, pelo expropriante do bem desapropriado para fim de interesse público não precisa ser imediato. Desde que ele consiga demonstrar que o interesse público ainda é presente e que a destinação para esse escopo foi simplesmente adiada, porque não é oportuna, exequível ou aconselhável, deve ser julgado improcedente o pedido de indenização do expropriado, com fundamento no art. 1.150 do CC (LGL\2002\400)" (ob. cit., p. 84). De igual teor a lição de Pontes de Miranda (Comentários. T. V, p. 445). Celso Antonio Bandeira de Mello tem posição intermediária. Afirma que "a obrigação do expropriante de oferecer o bem em preferência nasce no momento em que este desiste de aplicá-lo à finalidade pública. A determinação exata deste momento há que ser verificada em cada caso. Servirá como demonstração da desistência, a venda, cessão ou qualquer ato dispositivo do bem praticado pelo expropriante em favor de terceiro. Poderá indicá-la, também, a anulação do plano de obras em que se calcou o Poder Público para realizar a desapropriação ou outros fatos congêneres" (ob. cit., p. 209). A propósito, já se manifestou o STF que "o fato da não utilização da coisa expropriada não caracteriza, só por si, independentemente das circunstâncias. desvio do fim da desapropriação" (RTJ. 57/46). Do mesmo teor o acórdão constante da RDA, 128/395.
7 Prazo a respeito. Analogia
Outros autores entendem que há um prazo de cinco anos para que o Poder Público destine o imóvel à finalidade Pública para que efetuou a desapropriação. Assim se manifestam Noé Azevedo (parecer in RT 193/34) e Seabra Fagundes (ob. cit., pp. 397 /8). O prazo de cinco anos é já previsto na doutrina francesa. Afirma Laubadere que "si les immeubles expropriés n'ont pas reçu dans le délai de cinq ans la destination prévue ou ont cessé de recevoir cette destination, les anciens propriétaires ou leurs ayants droit à titre universel peuvent en demander la rétrocession dans un délai de trente ans à compter également de l'ordonance d'expropriation, à moins que l'expropriant ne requère une nouvelle déclaration d'utilité publique" (ob. cit., p. 251). Tal orientação encontra por base o art. 10 do Dec.-lei 3.365/41 (LGL\1941\6) que estabelece: "a desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará". Claro está que não tendo a lei previsto o direito à retrocessão, o intérprete há de buscar a solução para o problema (interpretação prudencial) dentro do próprio sistema normativo, para suprir ou colmatar a lacuna (a propósito deste tema, especificamente, veja se nosso "Lacuna e sistema normativo", in RJTJSP, 53/13-30). Esta surge no momento da decisão. Como todo problema jurídico gira em torno da decidibilidade, admite-se a interpretação analógica ao se entender que o prazo para que o Poder Público dê ao imóvel destinação específica ou outra permitida pelo direito (finalidade prevista no ordenamento) igualmente será o prazo de cinco anos. Neste, caduca o interesse público. Daí legitimar-se o expropriado a ingressar com a ação de retrocessão. Caso se entenda da inadmissibilidade de fixação de prazo, deixar-se-á à sorte o nascimento do direito ou, então, como pretende Cretella Junior, à manifestação volitiva do Poder Público decidir sobre a oferta do imóvel a alguém, com o que caracterizaria expressamente a vontade de alienar ou dispor do imóvel. Nunca haveria um prazo determinado, com o que padeceria a relação jurídica de segurança e estabilidade. Permaneceria o expropriado eternamente à disposição do Poder Público e perduraria, constantemente, e em suspense, até que a Administração decida como e quando destinará ou desafetará o imóvel. A solução que se nos afigura mais compatível com a realidade brasileira é a de se fixar o prazo de cinco anos, por aplicação analógica com o art. 10, retro citado. Está evidente que a só inércia não caracteriza a presunção do desvio. Se a Administração desapropria sem finalidade pública, o ato pode ser anulado, mesmo sem o decurso do prazo de cinco anos. Mas, aqui, o fundamento da anulação do ato seria outro e não se cuidaria do problema específico da retrocessão.
8 Natureza do direito à retrocessão
Discute-se, largamente, sobre a natureza do direito à retrocessão. Para uns seria direito pessoal e eventual direito resolver-se-ia em indenização por perdas e danos. Para outros, cuida-se de direito real e, pois, há possibilidade de reivindicação. Magnífica resenha de opiniões é feita por Sérgio Ferraz em seu trabalho Desapropriação, pp. 117/121. Dentre alguns nomes que se manifestam pelo reconhecimento de que se cuida de direito pessoal e, pois, enseja indenização por perdas e danos encontram-se Ebert Chamoun (ob. cit., p. 31), Cretella Junior (Tratado . . ., vol. IX, pp. 159, 333/4), Múcio de Campos Maia ("ensaio sobre a retrocessão ", in RT 258/49). A jurisprudência já se tem manifestado neste sentido (RDA, 98/ 178 e 106/157). A propósito da pesquisa jurisprudencial, veja-se, também, o repertório de Sergio Ferraz. A solução apontada pelos autores encontra fundamento no art. 35 do Dec.-lei 3.365/41 (LGL\1941\6) ao estabelecer que "os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos". Com base em tal artigo afirma Ebert Chamoun que "o direito do expropriado não é, evidentemente, um direito real, porque o direito real não se contrapõe, jamais, um mero dever de oferecer. E, por outro lado, se o expropriante não perde a propriedade, nem o expropriado a adquire, com o simples fato da inadequada destinação, é óbvio que a reivindicação que protege o direito de domínio, e que incumbe apenas ao proprietário, o expropriado não pode ter" (ob. cit., pp. 38/39). Mais adiante afirma que "o direito do ex-proprietário perante o poder desapropriante que não deu à coisa desapropriada o destino de utilidade pública, permanece, portanto, no direito positivo brasileiro, como direito nítido e irretorquivelmente pessoal, direito que não se manifesta em face de terceiros , eventuais adquirentes da coisa, nem ela adere, senão exclusivamente à pessoa do expropriante. Destarte, o poder desapropriante, apesar de desrespeitar as finalidades da desapropriação, desprezando os motivos constantes do decreto desapropriatório, não perde a propriedade da coisa expropriada, que ele conserva em sua Fazenda com as mesmas características que possuía quando da sua. aquisição" (ob. cit., pp. 44/45). Em abono de sua orientação invoca o dispositivo mencionado e afirma "quaisquer dúvidas que ainda houvesse acerca da natureza do direito do expropriado seriam espancadas por esse preceito, límpido e exato, consectário perfeito dos princípios gerais do nosso direito positivo, dispositivo que se ajusta, como luva, ao sistema jurídico brasileiro relativo à aquisição de propriedade, à preempção e à desapropriação" (ob. cit., p. 47). De outro lado, autores há que entendem cuidar-se de direito real. Dentre eles Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 2.ª ed., p. 505), Seabra Fagundes (ob. cit., p. 397), Noé Azevedo (parecer citado, in RT, 193/34), Pontes de Miranda (Comentários . . . ", T. V, pp. 443/6 e Vicente Ráo (O direito e a vida dos direitos, 2.ª ed., p. 390, nota 113). Apontam-se, também, diversos julgados (RDA, 48/231 e 130/229).
9 Crítica às posições
Realmente não se confundem as disposições do art. 1.149 com o art. 1.150 do CC (LGL\2002\400). O primeiro refere-se a pacto de compra e venda e tem por pressuposto a venda ou a dação em pagamento. Implica manifestação volitiva, através de contrato específico, em que se tem por base a vontade livre dos negócios jurídicos, assim exigida para validade do contrato. Já o art. 1.150 constitui norma de Direito Público, pouco importando sua inserção no Código Civil (LGL\2002\400) (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, T. XIV, 2.ª ed., § 1.612, p. 172). Em sendo assim, a norma do art. 1.150 do CC (LGL\2002\400) que determina o oferecimento do imóvel desapropriado ao ex-proprietário para o exercício do direito de preferência não está revogada. Mas, daí não se conclui que há apenas o direito de prelação. Diverso é nosso entendimento. Pelo artigo referido, obriga-se a Administração a oferecer o imóvel (é obrigação imposta à Administração), mas daí não pode advir a consequência de que caso não oferecido o imóvel, não há direito de exigi-lo. A norma não é unilateral em prol do Poder Público. De outro lado, surge a possibilidade de exigência por parte do expropriado. E a tal exigência dá-se o nome de retrocessão. Superiormente ensina Hélio Moraes de Siqueira que "entretanto, não é na lei civil que se encontra o fundamento da retrocessão. Aliás, poder-se-ia, quando muito, vislumbrar os lineamentos do instituto. É na Constituição Federal que a retrocessão deita raízes e recebe a essência jurídica que a sustém. Mesmo se ausente o preceito no Código Civil (LGL\2002\400), a figura da retrocessão teria existência no direito brasileiro, pois é consequência jurídica do mandamento constitucional garantidor da inviolabilidade da propriedade, ressalvada a desapropriação por utilidade e necessidade pública e de interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro" (ob. cit., pp. 76/77). Idêntico entendimento deve ser perfilhado. Realmente, despiciendo é que o art. 35 do Dec.-lei 3.365/41 (LGL\1941\6) tenha estabelecido que "os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos". A lei não pode mudar a norma constitucional que prevê a possibilidade da desapropriação sob fundamento de interesse público. O interesse público previsto na Constituição Federal é concretizado através das manifestações da Administração, em atos administrativos, possuindo, como condição de sua validade e de sua higidez o elemento finalidade ("finalidade-elemento teleológico contido no sistema. Conjunto de atribuições assumidas pelo Estado e encampadas pelo ordenamento jurídico", cf. nosso Ato Administrativo, ed. 1978, p. 48). Destina-se a finalidade a atender aos interesses públicos previstos no sistema normativo. Há por parte do agente administrativo emanador do ato, a aferição valorativa do interesse manifestado no decreto. É pressuposto lógico da emanação de qualquer ato administrativo que a competência do agente seja exercitada em direção a alcançar os objetivos ou os valores traçados no sistema de normas. Tal aferição valorativa é realizada no momento da expedição do ato. No decurso de certo tempo, pode desaparecer o interesse então manifestado. Mas, tal reconhecimento do desinteresse não pertence apenas à Administração Pública, mas também ao expropriado que pode provocá-lo, mediante ação direta. A Administração Pública, pela circunstância de ter adquirido o domínio da coisa expropriada, não fica isenta de demonstrar a utilidade da coisa ou a continuidade elo interesse público em mantê-la. Desaparecendo o interesse público, o que pode acontecer por vontade expressa da Administração, ou tacitamente, pelo decurso do prazo de cinco anos, contados dos cinco anos seguintes à transferência de domínio, que se opera pelo registro do título aquisitivo, que é a carta de adjudicação mediante prévio pagamento do preço fixado, nasce ao expropriado o direito de reaver a própria coisa. Trata-se de direito real, porque a perquirição da natureza do direito não deflui do momento atual do reconhecimento da desnecessidade da coisa, mas remonta ao momento do ato decretatório da utilidade pública. Já disse alhures (Ato Administrativo, pp. 122 e ss.) que a nulidade ou o ato inválido não prescreve. No caso a prescrição alcança o expropriado no prazo de cinco anos, contados do término dos cinco anos anteriores ao termo final do prazo de presunção da desnecessidade do imóvel. Explicando melhor: o Poder Público tem cinco anos, contados da data da aquisição da propriedade, que opera pelo registro da carta de adjudicação no Cartório do Registro de Imóveis competente, ou mediante registro da escritura pública lavrada por acordo das partes, no mesmo Cartório, para dar destinação específica, tal como declarada no decreto expropriatório ou outra destinação, havida como de interesse público. Passado tal prazo, abre-se ao expropriado o direito de haver a própria coisa, também pelo prazo de Cinco anos, nos termos do Dec. 20.910/32 (LGL\1932\1). A propósito já se decidiu que "a prescrição da ação de retrocessão, visando às perdas e danos, começa a correr desde o momento em que o expropriante abandona, inequivocamente, o propósito de dar, ao imóvel, a destinação expressa na declaração de utilidade pública" (PDA, 69/ 200). Ausente a utilidade pública, seja no momento da declaração, seja posteriormente. o ato deixa de ter base legal. Como afirma José Canasi, "la retrocesión tiene raiz constitucional implicita y surge del concepto mismo de utilidade publica. No se concibe una utilidad publica que puede desaparecer o deformarse a posteriori de la expropriación. Seria un engano o una falsidad" (La retrocesión en la Expropiación Publica, p. 47). Rejeita-se o raciocínio de que o expropriado, não sendo mais proprietário, falece-lhe o direito de pleitear reivindicação. Tal argumento serviria, também, para &e rejeitar a existência de direito pessoal. Isto porque, se o ex-proprietário já recebeu, de acordo com a própria Constituição Federal a justa indenização pela tomada compulsória de seu imóvel, nenhum direito teria mais. Não teria sentido dar-se nova indenização ao ex-proprietário, de vez que o Poder Público já lhe pagara toda quantia justa e constitucionalmente exigida para a composição do patrimônio desfalcado pela perda do imóvel. Aí cessaria toda relação criada imperativamente, pelo Poder Público. Inobstante, a pretensão remonta à edição do ato. O fundamento do desfazimento do decreto expropriatório reside exatamente na inexistência do elemento finalidade que deve sempre estar presente nas manifestações volitivas da Administração Pública. Demais, cessado o interesse público subsistente no ato expropriatório, a própria Constituição Federal determina a persistência da propriedade. A nosso ver, a discussão sobre tratar-se de direito real ou pessoal é falsa. Emana a ação da própria Constituição, independentemente da qualificação do direito. Ausente o interesse público, deixa de existir o fundamento jurídico da desapropriação. Logo, não podem subsistir efeitos jurídicos de ato desqualificado pelo ordenamento normativo. Trata-se de direito real, no sentido adotado por Marienhoff quando afirma que "desde luego, trátase de una acción real de "derecho público", pues pertenece al complejo jurídico de la expropiación, institución exclusivamente de derecho público, segun quedó dicho en un parágrafo precedente (n. 1.293). No se trata, pues, de una acción de derecho comun, ni regulada por este. El derecho privado nada tiene que hacer al respecto. Finalmente, la acción de retrocesión, no obstante su carácter real, no trasunta técnicamente el ejercicio de una acción reivindicatoria, sino la impugnación a una expropiación donde la afectación del bien o cosa no se hizo al destino correspondiente, por lo que dicha expropiación resulta en contravención con la garantia de inviolabilidad de propiedad asegurada en la Constitución. La acción es "real" por la finalidad que persigue: reintegro de un bien o cosa" (Tratado de Derecho Administrativo, vol. IV, p. 382, n. 1.430). De igual sentido a orientação traçada no Novíssimo Digesto Italiano, onde se afirma que "per tale disciplina deve escludersi che il diritto alla retrocessione passa considerarsi un diritto alla risoluzione del precedente trasferimento coattivo, esso e stato definito un diritto legale di ricompera, ad rem (non in rem) (ob. cit., voce - espropriazione per pubblica utilità", vol. VI, p. 950). Recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu que "o expropriado pode pedir retrocessão, ou readquirir o domínio do bem expropriado, no caso de não lhe ter sido dado o destino que motivou a desapropriação" (RDA 130/229). No mesmo sentido o acórdão constante da "Rev. Trim. de Jur.", vol. 104/468-496, rel. Min. Soares Muñoz.
10 Transmissibilidade do direito. Não se cuida de direito personalíssimo
Admitida a existência da retrocessão no Direito brasileiro in specie, ou seja, havendo a possibilidade de reaquisição do imóvel, e rejeitando-se frontalmente, a solução dada pela jurisprudência de se admitir a indenização por perdas e danos, de vez que, a nosso ver, há errada interpretação do art. 35 do Dec.-lei 3.365/41 (LGL\1941\6), surge a questão também discutida se o direito à retrocessão é personalíssimo, ou é transmissível, causa mortis. Pela negativa manifestam-se Ebert Chamoun (ob. cit., p. 68), Eurico Sodré (ob. cit., p. 76), Hely Lopes Meirelles (ob. cit., p. 505) e Pontes de Miranda (ob. cit., p. 446). Em sentido oposto Hélio Moraes de Siqueira (ob. cit., p. 64) e Celso Antônio Bandeira de Mello (oh. cit., p. 210). A jurisprudência tem se manifestado favoravelmente à transmissão do direito de retrocessão (RTJ 23/169, 57 / 46 e 73/155). Inaplicável no Direito Público o art. 1.157 do CC (LGL\2002\400). Disciplina ele relações de particulares, devidamente ajustado ao art. 1.149 que, como se viu anteriormente, cuida, também, de manifestações volitivas. Já, a desapropriação implica na tomada compulsória do domínio dos particulares, em decorrência de ato imperativo (tal como por nós conceituado a fls. 29 do Ato Administrativo). A imperatividade implica em manifestação de poder, ou seja, na possibilidade que goza o Poder Público de interferir na esfera jurídica alheia, por força jurídica própria. Já nas relações particulares, estão estes no mesmo nível; quando intervém o Estado o relacionamento é vertical e não horizontal. Daí porque o referido dispositivo legal não tem aplicação ao tema em estudo. O TJSP já deixou decidido que "os sucessores do proprietário têm direito de ser indenizados, no caso de o expropriante do imóvel expropriado não se utilizar deste, e procurar aliená-lo a terceiros, sem mesmo oferecê-lo àqueles (RT 322/193). Rejeitando, apenas o direito de preferência, de vez que entendendo a retrocessão como espécie de direito real, aceita-se a argumentação da transmissibilidade da ação. No mesmo sentido a orientação do Supremo Tribunal Federal (RTJ 59/631). As ações personalíssimas são de interpretação estrita. Apenas quando a lei dispuser que não se transmite o direito causa mortis é que haverá impossibilidade jurídica da ação dos herdeiros ou sucessores a qualquer título. No caso ora analisado, verificando-se da inaplicabilidade do art. 1.157 do CC (LGL\2002\400), percebe-se que defluindo o direito à retrocessão da própria Constituição Federal, inarredável a conclusão que se cuida de direito transmissível.
11 Montante a ser pago pelo expropriado, pela reaquisição do imóvel
Resta indagar qual o critério para fixação do montante a ser pago pelo ex-proprietário quando do acolhimento da ação de retrocessão. Inicialmente, pode-se dizer que o expropriado deve devolver o montante apurado quando do recebimento do preço fixado pelo juiz ou havido mediante acordo lavrado em escritura pública. Inobstante, se o bem recebeu melhoras que tenham aumentado seu valor, parece-nos que devam elas ser levadas em conta, para efeito de apuração do montante do preço a ser devolvido ao expropriante. O valor a ser pago, pois, será o recebido à época, por parte do expropriado acrescido de melhoramentos eventualmente introduzidos no imóvel, caso deste se cuide.
12 Correção monetária
Há autores que afirmam que a correção monetária não fará parte do valor a ser devolvido, "in principio", pois, embora haja previsão legal de seu pagamento quando da desapropriação, há razoável fundamento de que se o Poder Público não destinou o imóvel ou deu margem a que ele não fosse utilizado, por culpa sua, de seu próprio comportamento, deve suportar as consequências de sua atitude. A Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina prontificou-se pelo descabimento da atualização monetária, deixando julgado que ''en efecto, obvio parece decir que el fundamento jurídico del instituto de la retrocesión es distinto ai de la expropiación, como que se origina por el hecho de no destinarse el bien expropiado al fin de utilidad publica previsto por la ley. Si esta finalidad no se cumple, el expropiante no puede pretender benefíciarse con el mayor valor adquirido por el inmueble y su derecho, como principio, se limita a recibir lo que pagó por él" (Fallos, t. 271, pp. 42 e ss.). Outro argumento parece-nos ponderável. É que, a se admitir a devolução com correção monetária poderia facilitar a intervenção do Estado no domínio econômico, de vez que poderia pretender investir na aquisição de imóveis, para restituí-los, posteriormente, com acréscimo de correção monetária, com o que desvirtuar-se-ia de suas finalidades precípuas. Parece-nos, entretanto, razoável que se apure o valor real do imóvel devidamente atualizado e se corrija, monetariamente, o valor da indenização paga, para que se mantenha a equivalência econômica e patrimonial das partes. Há decisão admitindo a correção monetária da quantia a ser paga pelo expropriado (RDP 11/274) proferida pelo Min. Jarbas Nobre, do TFR. O valor do imóvel serviria de teto para o índice da correção.
13 Rito processual
O tipo de procedimento a ser adotado nas hipóteses de ação de retrocessão previsto na legislação processual. É o procedimento ordinário ou sumaríssimo, dependendo do valor da causa. Não há qualquer especialidade de rito, de vez que independe de depósito prévio. Não se aplica, aqui, o procedimento desapropriação, às avessas. Isto porque, no procedimento de desapropriação há um rito especial e pode o Poder Público imitir-se previamente na posse da coisa, desde que alegue urgência na tomada e efetue o depósito do valor arbitrado. Tal característica do processo de desapropriação não está presente no rito processual da ação de retrocessão. Demais disso, a ação depende de prévio acolhimento, com produção de prova do abandono do imóvel, ou sua não destinação ao fim anunciado no decreto.
14 Retrocessão de bens móveis
A desapropriação alcança qualquer tipo de coisa. Não apenas os imóveis podem ser desapropriados. Isto porque o art. 2.0 do Dec.-lei 3.365/41 (LGL\1941\6) dispõe "mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios”. Como assinala Celso Antônio Bandeira de Mello "pode ser objeto de desapropriação, tudo aquilo que seja objeto de propriedade. Isto é, todo bem, imóvel ou móvel, corpóreo ou incorpóreo, pode ser desapropriado. Portanto, também se desapropriam direitos em geral. Contudo, não são desapropriáveis direitos personalíssimos, tais os de liberdade, o direito à honra, etc. Efetivamente, estes não se definem por um conteúdo patrimonial, antes se apresentam como verdadeiras projeções da personalidade do indivíduo ou consistem em expressões de um seu status jurídico, como o pátrio poder e a cidadania, por exemplo (ob. cit., p. 194). De igual teor a lição de Ebert Chamoun (ob. cit., 94). A lição do autor merece integral subscrição, por ser da mais absoluta juridicidade. A Constituição Federal assegura o direito de propriedade. A única limitação é a possibilidade de desapropriação, por parte do Poder Público. Mas, como a Constituição não limita a incidência da expropriação apenas sobre imóveis e a lei específica fala em "bens", entende-se que todo e qualquer direito pode ser desapropriado. Por consequência, qualquer bem pode ser passível de retrocessão (verbi gratia, os direitos autorais).
15 Retrocessão parcial
Caso tenha havido desapropriação de um imóvel e parte dele não tenha aproveitada para a finalidade precípua declarada no decreto, surge a questão de se saber se o remanescente não utilizado pode ser objeto da retrocessão. Pelas mesmas razões expostas pelas quais se admitiu a existência da retrocessão no Direito brasileiro e cuidar-se de direito real, pelo qual o expropriado pode reaver posse e propriedade do próprio imóvel, admite-se a retrocessão parcial.
16 Renúncia
Caso o expropriado renuncie ao direito de retrocessão, nada terá a reclamar. Tratando-se, como se cuida, de direito patrimonial, é ele renunciável. Nada obriga a manter seu direito. Como salienta Ebert Chamoun, "a renúncia é plenamente eficaz. Uma vez que consta do instrumento de acordo dispositivo que exprima o desinteresse do ex-proprietário pelo destino que venha ulteriormente a ser dado ao bem e no qual se revele, claro e indiscutível, o seu propósito de renunciar ao direito de preferência à aquisição e ao direito de cobrar perdas e danos em face da infração do dever de oferecimento, o não atendimento das finalidades previstas no decreto desapropriatório, não terá quaisquer consequências patrimoniais, tornando-se absolutamente irrelevante sob o ponto de vista do direito privado" (ob. cit., p. 93). Embora não se adote a consequência apontada pelo autor. aceita-se o fundamento da possibilidade da renúncia.
17 Retrocessão na desapropriação por zona
Neste passo, acompanha-se o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo quem "é impossível cogitar de ação de retrocessão relativa a bens revendidos pelo Poder Público no caso de desapropriação por zona, quanto à área expropriada exatamente para esse fim, uma vez que, em tal caso não há transgressão alguma à finalidade pública em vista da qual foi realizada (ob. cit., p. 210). De igual teor a orientação de Ebert Chamoun (ob. cit., p. 96). E a posição é de fácil compreensão. O "interesse público", na hipótese, foi ditada exatamente para que se reserve a área para ulterior desenvolvimento da obra ou para revenda. Destina-se a absorver a extraordinária valorização que alcançará o local. De qualquer forma, estará o interesse público satisfeito. lnadmite-se, em consequência, a ação de retrocessão, quando a desapropriação se fundar em melhoria de determinada zona (art. 4.0 do Dec.-lei 3.365/41 (LGL\1941\6)). A propósito os pareceres de Vicente Ráo (RDP 7 /79), Castro Nunes (RDP 7 /94) e Brandão Cavalcanti (RDP 7 /102).
18 Referência jurisprudencial
Além da jurisprudência já referida no curso da expos1çao da matéria, convém transcrever alguns acórdãos do STF que cuidam do assunto. Negativa de vigência ao art. 1.150 do CC (LGL\2002\400). "Não vejo na decisão recorrida negativa de vigência do art. 1.150 do CC (LGL\2002\400). De conformidade com a melhor interpretação desse dispositivo, o expropriante não está obrigado a oferecer o imóvel ao expropriado, quando resolve devolvê-lo ao domínio privado, mediante venda ou abandono" (RTJ 83/97. Também o mesmo repertório 56/785 e 66/250. Possibilidade do exercício da ação. "Se se verifica a impossibilidade da utilização do bem, ou da execução da obra, então passa a ser possível o exercício do direito de retrocessão. Não é preciso esperar que o desapropriante aliene o bem desapropriado" (RTJ 80/150). Destinação diversa do bem. "Incabível a retrocessão ou ressarcimento se o bem expropriado tem destino diverso, mas de utilidade pública" (RTJ 74/95; No mesmo sentido o mesmo repertório 48/749 e RDA 127 /440). Pressupostos da retrocessão. "Retrocessão. Seus pressupostos; devolução do imóvel ao domínio privado, · quer pela alienação, quer pelo abandono por longo tempo, sem destinação de utilidade pública. Ausência desses pressupostos. Ação julgada improcedente" (RTJ 83/96). Fundamento do direito à retrocessão. "Constituição, art. 153, § 22CC (LGL\2002\400), art. 1 .150. Desapropriamento por utilidade pública. Reversão do bem desapropriado. O direito à requisição da coisa desapropriada tem o seu fundamento na referida norma constitucional e na citada regra civil, pois uma e outra exprimem um só princípio que se sobrepõe ao do art. 35 do Dec.-Lei 3.365/41 (LGL\1941\6), visto que o direito previsto neste último (reivindicação) não faz desaparecer aqueloutro" (RTJ 80/139). Estes alguns excertos jurisprudenciais de maior repercussão, já que enfrentaram matéria realmente controvertida dando-lhe solução fundamentada. Há inúmeros julgados sobre o tema que, no entanto, dispensam transcrição ou menção expressa, pois outra coisa não fazem que repetir os argumentos já manifestados. Como se cuida de matéria controvertida e a nível de repertório enciclopédico, o importante é a notícia sobre o tema, sem prejuízo de termos feito algumas colocações pessoais a respeito. Nem tivemos o intuito de esgotar o assunto, de vez que incabível num trabalho deste gênero.
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