Tax legal relationships and the improperly called “ancillary obligations”
Tax legal relationships and the improperly called “ancillary obligations”
Abstract
I O caráter instrumental do DireitoDireito é instrumento, é meio de alcançar o Estado a disciplina do relacionamento social. Não é, portanto, um fim, não encerra sentido finalístico.
Para ordenar os comportamentos humanos, na conformidade dos objetivos que pretende atingir, vale-se o Estado desse instrumento de ação social, impondo determinada disciplina que se afigura interessante à obtenção do bem comum concebido.
Esse, aliás, o ponto exato em que as leis jurídicas se distinguem das leis naturais (leis físicas, químicas, biológicas, etc.). Tais normas encerram um determinismo natural (por exemplo: a lei que descreve a queda dos corpos, as reações químicas, os movimentos dos astros, etc.), ao passo que as regras jurídicas impõem um determinismo artificial.
De fato, nem sempre o mandamento social que emana da regra jurídica está em consonância com leis de outras ciências. Vezes há em que a lei jurídica contraria, de modo flagrante e deliberado, normas e princípios da Economia, da Ciência das Finanças, da Biologia, etc., e, desse modo, toma o Estado medidas ordinatórias no campo social político e econômico.
Em inúmeras oportunidades podemos verificar que o legislador estabeleceu norma jurídica que contrasta, de maneira frontal, com a lei econômica da oferta e da procura para, com isso, obter consequências predeterminadas no campo econômico.
Nem se fale das próprias ficções jurídicas que, em desafio aos mais elementares princípios da natureza, são técnicas largamente usada e de que se serve a ordenação jurídica para solucionar intricadas questões.
Daí a supremacia do Direito com relação às outras ciências. Não, evidentemente, supremacia como valor científico, mas no sentido de que o Direito constrói suas próprias realidades, não estando condicionado que não aos ideais de bem comum que se propõe realizar.
Assim, é dado sobremodo relevante, em qualquer momento do estudo jurídico, a consideração do caráter eminentemente instrumenta do Direito. Aí reside sua própria essência. É meio de se obter determinadas finalidades que o Estado entende importantes na realização plena do bem comum, segundo suas concepções.
II A norma jurídica tributária
Conquanto já tenha havido quem esposasse a tese de que a natureza das leis varia segundo o campo da respectiva atuação, hoje parece pacífico que todas as leis (sejam elas penais, civis, processuais, comerciais, tributárias, constitucionais etc.) apresentam a mesma estrutura estática e a mesma atuação dinâmica.
A lei tributária, consoante as demais, é composta de dois elementos: hipótese de incidência e mandamento, preceito ou regra de comportamento. Cumpre salientar, desde logo, que a hipótese de incidência, que alguns preferem designar pela expressão equívoca “fato gerador’’, não é entidade privativa das regras tributárias, inexistindo sobre ela qualquer exclusividade do direito fiscal. Serve, indistintamente, a todos os ramos do conhecimento jurídico, na exata dimensão em que é elemento constitutivo e imprescindível em cada norma do Direito.
Quase todos os juristas que procuraram meditar a respeito do arcabouço das regras jurídicas insistem em incluir, ao lado da hipótese de incidência e do preceito ou mandamento, a sanção, como providência mantenedora da ordem jurídica para a integral observância de seus mandamentos.
Nada obstante, quer parecer-me que a sanção não integra a estrutura estática da norma jurídica. É outra norma de Direito, com outra hipótese de incidência e outro mandamento. Tomemos um exemplo no campo tributário:
- Preceito: Pague 15% sobre seu valor.
- Preceito: Pague o imposto devido mais a multa de 100%;
Vê-se que são regras diversas, na medida em que têm hipóteses de incidência e mandamentos diferentes.
É noção cediça que toda classificação só tem valor realmente científico na proporção em que conduz a consequências de natureza prática. Essa colocação, inobstante, tem a virtude de demonstrar que a regra jurídica, analisada em si mesma, como realidade independente do todo sistemático em que se insere, não apresenta qualquer significação, porque destituída da coatividade que só a ordenação total lhe pode conferir. Ao mesmo tempo, é confirmação irrefutável da unidade do sistema jurídico, como um todo incindível, indivisível. É demonstração eloquente do cânone da totalidade do sistema jurídico.
Se nos fora possível isolar algo que pudesse apresentar todos os elementos estruturais do sistema jurídico, só por isso, estaríamos reconhecendo outra unidade e, por conseguinte, haveria de ser o reconhecimento da divisibilidade do sistema. A ordenação jurídica total deixaria de ser una, indivisível, para ser formada de tantas partes quantas fossem as unidades isoladas.
Desse modo, quando não traga consequências práticas sensíveis, haverá de ser, tal colocação, meio seguro de reafirmar princípio fundamental e vestibular da ciência jurídica, qual seja o de que a ordenação do Direito forma um sistema pleno, unitário.
III O surgimento da relação jurídica tributária
Vimos que é por meio do Direito, como instrumento de ação, que o Estado atua para a obtenção do bem comum.
No campo tributário, seja para abastecer os cofres públicos, seja para estabelecer medidas de caráter ordinatório – extrafiscalidade – utiliza-se o Estado, largamente, desse instrumento.
E a técnica usada é a descrição de fatos que, uma vez ocorridos no mundo da realidade tangível, no universo físico, darão ensejo ao nascimento de liames jurídicos que haverão de vincular o sujeito passivo ao sujeito ativo (Estado), até que determinado objetivo seja cumprido.
No setor das exações vinculadas (taxas ou contribuições especiais) ou na área das exações não vinculadas ou impostas, de acordo com a já vitoriosa classificação jurídico-científica dos tributos, da lavra de Geraldo Ataliba, essa é a técnica usada pelo legislador, motivo pelo qual é conhecida como relação ex lege.
Ao examinar o conteúdo dessa relação, não há uniformidade de entendimento, na doutrina, quer nacional, quer estrangeira.
Com efeito, autores há que vislumbram nesse vínculo uma relação complexa, incindível, composta de vários liames de naturezas diversas. É a opinião de Achille Donato Giannini, para quem:
“La determinazione dei casi nei quali l’imposta è dovuta, delle persone obbligate al pagamento, del suo ammontare, dei modi e delle forme in cui l’imposta stessa deve essere accertata e riscossa, tutto ciò, nello Stato moderno, è regolato dall’ordinamento giuridico con disposizioni imperative, alla cui osservanza sono tenuti gli organi dello Stato non meno che le persone soggette alla sua potestà.
[…]
Da quelle disposizioni, perciò, sorgono, fra lo Stato e i contribuenti, reciproci diritti e doveri, che formano il contenuto di uno speciale rapporto: il rapporto giuridico d’imposta” (Istituzioni di Diritto Tributario, págs. 79 e 80, grifo nosso).
Outros, contudo, na trilha de Dino Jarach, vêem dois tipos de relações, totalmente diversas:
“La diferencia fundamental que existe entre los deberes de colaboración con la Administración pública, entre las relaciones que nacen de las infracciones y pretensiones a las multas o sanciones correspondientes y la relación tributaria propiamente dicha, cuyo objeto es la prestación del tributo, me lleva a la conclusión de que no se puede admitir que la relación jurídica tributaria sea compleja: es una simple relación obligacional, al lado de la cual existen otras relaciones completamente distintas” (Curso Superior de Derecho Tributario, p. 162).
Na verdade, entendo que não há cogitar-se de relação complexa, como quer Giannini, uma vez que inexistem vários liames, de naturezas diversas, que se entrelacem para formar aquilo que o jurista italiano chamou de “uno speciale rapporto”.
Nota-se, isto sim, a presença de um vínculo de natureza eminentemente obrigacional – uma prestação de dar – ao lado de outros liames, de natureza administrativa, atinentes ao dever que todos os cidadãos têm para com o Estado de colaborar com a Administração Pública, cumprindo uma série de deveres, ora pela escrituração de documentos e livros, ora pela prestação de informações às autoridades governamentais.
A relação jurídica tributária ficaria, assim, formada por dois tipos de relações:
a) relação jurídica principal – de natureza obrigacional – prestação de dar;
b) relações jurídicas secundárias – de caráter administrativo – deveres acessórios.
Há, portanto, duas entidades distintas, duas figuras diversas, se bem que, às vezes, coalescentes, mas que podem e devem ser separadas, científicamente, não havendo qualquer impedimento no sentido de que venham a ter existências independentes.
A análise da relação jurídica tributária, na sua essência, impele o jurista à conclusão da existência de duas realidades estruturalmente diversas: uma de conteúdo obrigacional e outra que representa mero vínculo de direito administrativo, muito embora designado, inadequadamente, de “obrigação acessória”.
IV A relação jurídica principal é, verdadeiramente, uma obrigação
Afirmamos que a prestação de dar, que consubstancia o objeto da relação jurídica que se estabelece entre o sujeito ativo (Estado) e o sujeito passivo (contribuinte ou responsável) é, decididamente, uma obrigação, tal qual definida pela teoria geral do Direito.
Esse, como muitos outros institutos de que faz uso a ciência do direito tributário, deve ser estudado em suas origens, vale dizer, na própria teoria geral do Direito, mesmo porque, ao aproveitá-lo, não fez aquele ramo do saber jurídico qualquer alteração. Transportou-o integralmente.
O conceito de obrigação, de elaboração milenar, que inspira e ilumina vários setores do Direito, é aceito como “o vínculo jurídico de natureza transitória, pelo qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação econômica”.
Inicialmente, dois elementos já podem ser separados, nessa conceituação, como fundamentais à ideia principal: o aspecto transitório e o patrimonial. Sem qualquer desses requisitos, não haverá obrigação, por mais que se procure identificar a figura analisada com aquele instituto basilar da ciência jurídica.
Transitoriedade é o atributo indispensável de todas as obrigações e mediante o qual nascem elas com irresistível vocação ao desaparecimento.
De fato, se meditarmos sobre qualquer obrigação, vamos verificar a presença constante da inconfundível tendência à extinção. Já nasce com esse objetivo: desaparecer. Uma vez realizado o núcleo da relação jurídica, justamente a razão de ser da existência mesma do vínculo, vamos assistir à extinção do liame obrigacional pela perda de sua essência.
Relação jurídica que por imposição de sua estrutura tenda a persistir no tempo, a assumir caracteres de perenidade, não será obrigação, pois não atende ao requisito fundamental da transitoriedade.
Ainda nos casos em que determinada obrigação perdure no tempo, não havendo o cumprimento de seu objeto, por esse ou aquele motivo, mesmo assim será possível identificar o requisito da transitoriedade, de vez que a tendência irresistível ao desaparecimento continua, muito embora contida por outros fatores incidentais.
Dessa forma, somente quando a tendência intrínseca natural da exigência estrutural da relação jurídica seja a extinção, o desaparecimento, poderemos falar, juridicamente, em obrigação.
Não basta, entretanto, o caráter transitório da relação jurídica para que adquira a feição institucional de liame obrigacional. lmpende, ainda, a ocorrência de outro aspecto, da mesma forma importante, visto que, sem ele, inexistirá obrigação. É a patrimonialidade, isto é, o conteúdo econômico que deve estar subjacente ao vínculo e que haverá de equivaler ao objeto da prestação de dar, fazer ou não fazer, a cargo do devedor.
As obrigações de fazer, se bem que muitas vezes possam esconder o caráter de patrimonialidade, serão sempre passíveis de avaliação econômica. Prova disso é que, na eventualidade de negar-se o devedor de cumpri-la, resolve-se em perdas e danos, consoante determinação de nossa lei civil. Passará a exigir o credor, nesse caso, a indenização do valor correspondente, o que significa reconhecer tratar-se de comportamento que pode converter-se em dinheiro, algo que se reveste de conteúdo econômico.
O mesmo se diga das obrigações de não fazer.
As que consistem num “dare”, todavia, dispensam maiores considerações, dada a evidência cristalina de sua patrimonialidade.
Destarte, será sempre a conjugação desses dois fatores – transitoriedade e patrimonialidade – que irá conferir a determinada relação jurídica a condição de vínculo obrigacional.
Daí a conclusão peremptória e inarredável de que a prestação tributária, consistente em dar o sujeito passivo parcela de seu patrimônio particular ao Estado, por virtude de estar ligado a certa ocorrência fáctica prevista na legislação impositiva, quadra-se perfeitamente na conceituação de vínculo obrigacional.
Reúnem de modo concomitante, tanto a transitoriedade quanto a patrimonialidade.
São efêmeras, pois nascem com o acontecimento do fato imponível, formalizam-se com o procedimento administrativo de lançamento e, finalmente, se extinguem por uma das fórmulas estabelecidas na própria legislação.
Seu nascimento, contudo, já é o primeiro passo no sentido de seu desaparecimento, de vez que o objetivo do Estado é, justamente, a obtenção dos recursos advindos com o cumprimento da prestação de dar. Surge, então, precisamente para se extinguir. E, ao desaparecer, satisfaz o Estado necessidade primacial.
Tem conteúdo econômico porque o próprio objeto da prestação já é quantia em dinheiro ou, como também prevê a lei complementar n. 5.172, de 25.10.1966, em algo que em moeda se possa exprimir (art. 3.º).
V As relações jurídicas tributárias secundárias não são transitórias nem possuem conteúdo econômico
As relações jurídicas secundárias, que muitas vezes são simultâneas à obrigação tributária, mas que nada têm de similaridade com o vínculo obrigacional, são meros deveres de direito administrativo, não atendendo quer ao requisito da transitoriedade, quer ao do conteúdo econômico.
Realmente, tais vínculos são erigidos como deveres de todos os cidadãos, a fim de que a Administração Pública possa desempenhar, na plenitude, a gestão dos negócios do Estado.
É dever de todos os cidadãos prestar informações ao Poder Público, praticar certos atos e tomar certas providências de interesse geral, para que se torne possível a disciplina do relacionamento social e a administração da ordem pública, a cargo dos escalões administrativos. Nesse sentido, requer-se de todos o cumprimento de incontáveis deveres, seja no que atina ao campo sanitário, urbanístico, de trânsito, agrário etc., seja no que entende com o próprio setor da tributação.
Respeitar os semáforos, bem como os sentidos estabelecidos pelo tráfego, são deveres impostos pela Administração para assegurar a boa ordem do trânsito de veículos pela cidade e pelas estradas. Do mesmo modo, haverá o cidadão de respeitar as posturas municipais, no que concerne às construções imobiliárias, a fim de que sejam assegurados princípios urbanísticos acolhidos pela Administração.
Semelhantemente, no campo das imposições tributárias, são estabelecidos inúmeros deveres, que possibilitam o controle do Estado sobre a observância do cumprimento das obrigações estatuídas com a decretação dos tributos. Tais deveres são, entre muitos outros, escriturar determinados livros, preencher notas fiscais, prestar informações, fazer declarações etc. Tudo para que possa a entidade tributante estabelecer a desejada fiscalização.
Inobstante, esses deveres são perenes, vale dizer, haverão de ser cumpridos sempre, independentemente da ocorrência das obrigações tributárias. O contribuinte do ICM deverá manter livros fiscais, relativamente a esse gravame, mesmo que não dê ensejo ao acontecimento de fatos imponíveis. Enquanto se mantiver nessa condição, haverá de cumprir esse dever, de igual maneira que o motorista, enquanto o for, deverá respeitar os sinais do trânsito.
Ademais, é destituído de caráter patrimonial, não apresentando qualquer resquício de conteúdo econômico.
É bem verdade que o não cumprimento dos deveres acessórios, é coibido mediante a previsão de penalidades pecuniárias, nas respectivas legislações. Descumprido o dever, ficará o infrator adstrito ao cumprimento de obrigação de dar – pagamento da multa – mas que não guarda proporção alguma com o dever que não fora cumprido. É cominação de caráter penal e que não representa indenização, posto que não há conteúdo patrimonial passível de avaliação pecuniária. A multa estabelecida para esses casos tem conotação eminentemente repressiva, como, aliás, ocorre com as multas de trânsito.
Em suma, não têm tendência efêmera e conteúdo patrimonial, razão por que não se podem identificar com as obrigações propriamente ditas.
Equivocou-se, portanto, o legislador do Código Tributário Nacional, na medida em que vislumbrou duas categorias de obrigações; uma principal, outra acessória.
Não existem, no direito tributário brasileiro, obrigações acessórias, são simples deveres de direito administrativo.
As impropriamente chamadas “obrigações acessórias” são os deveres de contorno, a que se refere Renato Alessi e que circundam o tributo exigido pelo Estado.
Essa teoria, já consagrada no Direito europeu, logrou a acolhida apenas do tributarista paulista Geraldo Ataliba e.ao depois, foi defendida pelo Prof. Roberto Campos Andrade, em conferência proferida na Universidade Católica de São Paulo, mais precisamente, no I Curso de Especialização em Direito Tributário que a Faculdade Paulista de Direito fez realizar no primeiro semestre de 1971. Sem contar os dois nomes já citados, a doutrina nacional não se mostrou sensível a essa argumentação, permanecendo silente sobre o assunto e deixando prosperar conceituação pouco científica e construída ao arrepio de noções jurídicas fundamentais.
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