Estágio Probatório: Questões Controversas

Public Service Probationary Period: Controversial Issues

Autores

Resumo

I - Introdução

Denomina-se1 tradicionalmente estágio probatório, ou estágio de confirmação, o período de avaliação, adaptação e treinamento em efetivo exercício a que estão submetidos os que ingressam em cargos públicos em virtude de aprovação em concurso público.

Trata-se de período de experiência, supervisionado pela Administração, destinado a verificar a real adequação de agentes públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo ou de provimento vitalício na primeira fase da relação funcional que encetam com o Estado. Neste lapso de tempo, atualmente limitado para os agentes civis ao máximo de três anos2, busca-se avaliar a retidão moral, a aptidão para a função, a disciplina, a responsabilidade, a assiduidade, a dedicação e a eficiência dos agentes empossados e em exercício, mediante observações e inspeções regulares. Neste período, além disso, deve a Administração velar pelo treinamento e adaptação dos novos integrantes da organização pública, selecionados a partir de concurso público.

Os agentes aprovados ao final do período de estágio probatório adquirem, conforme o caso, a estabilidade ou a vitaliciedade nos quadros de pessoal dos órgãos e entidades estatais. Mas já iniciam o período de estágio probatório detendo o status de agentes públicos. Os agentes reprovados no estágio probatório, respeitado o contraditório e a ampla defesa, são exonerados dos cargos que exerciam.

É verdade que, não faz muito tempo, diversos autores consideravam o estágio probatório uma simples fase do processo de seleção ou concurso3, uma oportunidade para a autoridade completar o processo de seleção4.

À vista destas noções, discutiu-se largamente a respeito da situação jurídica do pessoal em estágio probatório, afirmando alguns a sua condição de “quase funcionário”5, “um agente administrativo em condição sui generis, com todos os deveres e responsabilidades impostos pelo regime jurídico a que se acha submetido, mas sem os direitos integralmente conferidos aos efetivos, em situação de maior segurança”.6

Esta orientação doutrinária, entretanto, merece reparos, pois confunde o estágio probatório com o estágio experimental previsto em alguns concursos públicos como uma das etapas do processo seletivo.7 O estágio probatório não é etapa do concurso público, não colhe candidatos a cargos públicos, pois tem vez apenas com a finalização dos processos de seleção, após a nomeação dos aprovados, a posse e o ingresso em exercício dos novos agentes públicos. O estágio probatório não se qualifica como processo concorrencial, eliminatório, de índole coletiva, mas como processo de verificação da adaptação individual dos agentes recém ingressos no serviço público. Além disso, a condição de “quase-funcionários” é incompatível com a situação jurídica de agentes no pleno exercício de suas funções, pois a lei não ressalva a estes as prerrogativas e sujeições reconhecidas aos demais agentes públicos, salvo unicamente as vantagens ou garantias incompatíveis com a sua situação precária8.

O agente em estágio probatório não é um interino, um ocupante transitório do cargo, ou um agente instável, temporário, investido em cargo de confiança, dispensável ao arbítrio da administração, mas o titular de um plexo de atribuições e deveres públicos. A precariedade de sua condição diz respeito apenas a sua plena integração no cargo isolado ou de carreira (efetivação), pois esta integração depende de sua confirmação ao final do estágio probatório. Mas a investidura do agente em cargo de provimento efetivo ou vitalício9, completada com a posse, preenche o cargo, provê o cargo, que deixa de estar vago. É dizer: o agente em estágio probatório é titular provisório do cargo público que exercita, com as prerrogativas e sujeições inerentes ao cargo, ressalvadas apenas aquelas que decorram da ausência de estabilidade ou vitaliciedade no serviço público. Não foi ainda efetivado, integrado em caráter definitivo no complexo de funções que exercita,

o que vem ocorrer apenas com a aquisição da estabilidade ou vitaliciedade10. Nada obstante, o agente em estágio probatório não pode acumular cargos públicos, nem exercer atividade incompatível com o cargo que titulariza, pois ocupa o cargo em que foi investido, ainda que sem estabilidade, assumindo os encargos desta condição11.

A dificuldade inicia quando é necessário precisar quais são as vantagens, garantias e prerrogativas compatíveis com a peculiar situação dos agentes em estágio probatório. Esses agentes são disciplinados por normas especiais e podem usufruir apenas parcialmente do regime jurídico comum dos demais agentes públicos. Mas as normas especiais são frequentemente limitadas, restringindo-se quase inteiramente a disciplinar o processo de avaliação do servidor em estágio. A lacuna normativa que remanesce é significativa e deixa em situação de indefinição uma parte relevante do regime jurídico a aplicar aos agentes em estágio probatório.

Em termos interrogativos, fica-se a indagar: Quais as normas do regime jurídico comum dos agentes públicos são compatíveis com a peculiar situação dos agentes em período de estágio probatório? Como deve ser computado o período de efetivo exercício durante o estágio probatório? Quais as licenças, os afastamentos, as hipóteses de provimento derivado e de afastamentos do serviço, previstas no regime geral, compatíveis com a exigência constitucional de avaliação em efetivo exercício dos novos agentes públicos? Quais as garantias dos agentes em estágio no período de avaliação? Essas são

perguntas inevitáveis, mas geralmente sem resposta normativa explícita e, lamentavelmente, também com limitadas indicações jurisprudenciais e doutrinárias pertinentes.

A consequência desse estado de coisas é um expressivo número de questões controvertidas a respeito do estágio probatório. Muitas não são questões novas, mas apenas agora ganharam urgência, depois das alterações produzidas no regime jurídico do estágio probatório pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998. Antes da Emenda Constitucional, o estágio probatório era considerado na prática um simples lapso de tempo, dissociado de qualquer avaliação efetiva ou da análise de sua eficácia jurídica específica, transcorrendo quase sempre sem qualquer repercussão na vida funcional dos agentes públicos. Era um simples obstáculo burocrático12, uma etapa da vida funcional dos agentes, vencida frequentemente pelo mero decurso de prazo13.

A Emenda Constitucional nº 19 alterou essa situação mediante diversas providências normativas: (a) ampliou o estágio probatório dos servidores públicos para três anos; (b) tornou evidente a aplicação restrita do estágio probatório e da garantia da estabilidade unicamente aos ocupantes de cargos efetivos nomeados após concurso público14; (c) impôs como condição para aquisição da estabilidade, pelo servidor em exercício de cargo efetivo, a concreta realização de avaliação especial de desempenho durante o estágio probatório por comissão instituída para essa finalidade15.

A Emenda Constitucional n. 19 não dispensou de avaliação especial de desempenho nem mesmo os servidores com estágio probatório em curso na data da promulgação da alteração constitucional (art. 28 da Emenda).

Essas providências buscaram impedir que o estágio probatório continuasse a ser uma simples exigência formal, sem efetividade como processo de avaliação e adaptação dos agentes públicos à atividade normal do Estado. Mas as alterações somente serão concretizadas se forem bem compreendidas e se houver vontade política e administrativa de implementá-las em termos apropriados. Essa compreensão, no entanto, é impossível sem o enfrentamento dos aspectos controversos do tema, ainda que de forma sumária. É o propósito deste trabalho.

 

  II CARACTERIZAÇÃO E ALCANCE DO CONCEITO DE ESTÁGIO PROBATÓRIO

a) Estágio Probatório: situação jurídica funcional e processo administrativo

O estágio probatório não é simples lapso de tempo. Na verdade, o estágio probatório merece ser caracterizado, por um lado, como um momento da relação jurídica funcional (perspectiva estática) e, por outro, como um específico processo administrativo (perspectiva dinâmica).

O Estado e o servidor são sujeitos de direito na relação jurídica funcional. São centros de imputação de direitos e deveres. O estágio probatório é uma fase no desenvolvimento dessa relação jurídica funcional, traduzindo um complexo de situações jurídicas distintas, que o particularizam.

O estágio probatório, em primeiro lugar, diz respeito ao momento inicial da relação jurídica funcional. Somente é possível caracterizá-lo conferindo a sua repercussão no vínculo jurídico que une o servidor ao Estado e confrontando as situações que encerra com as situações jurídicas que o desenvolvimento da relação funcional propicia. Essa repercussão é o verdadeiro centro da reflexão, o objeto a analisar, não o fato do transcurso do tempo.

Mas o estágio também pode ser percebido como um específico processo administrativo. Pode ser caracterizado como o processo administrativo deavaliação, adaptação e treinamento em efetivo exercício a que estãosubmetidos os que ingressam em cargos públicos em virtude deaprovação em concurso público. O ato final do processo de estágio probatório é a confirmação do servidor ou o seu desligamento do serviço.

b) Alcance subjetivo do instituto

Não se cogita de estágio probatório, ao menos com as características desse instituto do direito administrativo, para os agentes contratados para empregos públicos, para os nomeados para cargos em comissão, de livre designação e destituição, e para os nomeados para cargos de provimento condicionado ou desligamento condicionado, designados mediante processos especiais estabelecidos pela lei ou diretamente previstos pela Constituição16.

Também não se exigiu estágio probatório aos agentes contemplados com a estabilidade excepcional concedida pelo art. 19 e 53 do ADCT (LGL\1988\31)17.

c) Alcance objetivo do instituto

O estágio probatório vincula-se, inexoravelmente, à garantia da estabilidade ou da vitaliciedade, sendo pressuposto para a aquisição dessas garantias funcionais18. Somente é exigível de agentes que as possam adquirir de forma permanente, sem vinculação a qualquer mandato temporário, após concurso público. Por isso, objetivamente, o instituto é aplicado apenas para os cargos de provimento efetivo ou vitalício, vocacionados a incorporar agentes de modo definitivo, após vencido o período de prova, adaptação ou avaliação do estágio de confirmação.

Nas hipóteses em que a Constituição reconhece as garantias da estabilidade, ou da vitaliciedade, mas dispensa concurso público, não se cogita de estágio probatório.

Não há estágio probatório, por exemplo, para os nomeados a cargos de Ministros ou Conselheiros de Tribunais de Contas, Desembargadores, Ministros dos Tribunais Superiores, entre outros agentes a que a Constituição autorizou o provimento originário sem concurso público e atribuiu, ao exercente, as garantias da vitaliciedade ou da estabilidade.

Neste diapasão, assentou o Supremo Tribunal Federal:

“Funcionário público. Cargo isolado. Não se pode falar em estágio probatório quando a nomeação foi feita sem concurso. Não aplicação da sumula 21. Recurso conhecido e provido. (STF, RE 63138, MG, Segunda Turma, Relator: Min. ADAUCTO CARDOSO, data do julgamento 17/04/1969, RTJ VOL-00051-01, PG-00125).

d) Estágio Probatório e Efetivo Exercício

Questão sensível é saber o que deve ser entendido como efetivo exercício para fins de estágio probatório.

O problema pode ser sintetizado nos seguintes termos: a Constituição Federal exige, para a aquisição da estabilidade ou vitaliciedade, cumprimento de período de prova em efetivo exercício, a realização de um processo de avaliação durante determinado período de exercício, mas não determina o modo de contagem deste exercício. Tradicionalmente, para fins de aposentadoria, disponibilidade, adicional por tempo de serviço, entre outras hipóteses, a lei ordinária tem reconhecido como de “efetivo exercício” situações funcionais diversas, a exemplo dos períodos transcorridos no gozo de licença-gestante, licença-prêmio, férias, afastamentos para desempenho de mandato classista ou exercício de mandato eletivo. Nestes casos, como é evidente, a lei cria uma ficção, reconhecendo como de exercício efetivo um lapso de tempo em que faltou a prestação real de serviço. Pode a lei também computar um período de tempo de exercício ficto para fins de atendimento da exigência constitucional relativamente ao período de estágio probatório? Se houver impedimento constitucional, esse obstáculo admite exceções? Não sendo possível a contagem de tempo ficto, isto significa que o agente público deve contabilizar no período de estágio probatório apenas os dias de trabalho na

repartição, excluindo os feriados, fins de semana, os períodos de paralisação em razão de greve, os dias de luto e os períodos de férias?

A questão é mais intrigante do que aparenta, pois, se de um lado o diploma constitucional exige cumprimento de certo período de efetivo exercício para aquisição da estabilidade ou vitaliciedade, por outro reconhece ao agente em estágio probatório direitos que somente podem ser fruídos com afastamento do exercício efetivo da função. Os exemplos mais singelos são os dias de repouso semanal remunerado (CF (LGL\1988\3), art. 39, §3º, combinado com art. 7º, XV), o período de férias (CF (LGL\1988\3), art.39, §3º, combinado com art. 7º, XVII), o período de licença à gestante (CF (LGL\1988\3), art.39, §3º, combinado com art. 7º, XVIII) e os dias de licença-paternidade (CF (LGL\1988\3), art.39, §3º, combinado com art. 7º, XIX).

Na matéria, observou com acuidade o Prof. CARLOS ARI SUNDFELD, em estudo de mérito19, que a Constituição se contentou em referir apenas o simples exercício, sem adjetivá-lo de efetivo, quando cuidou da aposentadoria por tempo de serviço (art. 40, antes da Emenda Constitucional 20/98 (LGL\1998\68)), quando desejou computar o tempo de mandato eletivo de vereador não remunerado para fins de aposentadoria (ADCT (LGL\1988\31), art. , §4º) e ao conceder a estabilidade excepcional aos servidores em exercício (art. 19 do ADCT (LGL\1988\31)). Essa forma de expressão do constituinte, autêntica opção, permitiu ao legislador a construção de ficções (tempo ficto). Porém, diversamente, quando disciplinou o estágio probatório, a lei fundamental, desde a sua versão original, impunha condicionamento mais exigente, referindo explicitamente a tempo de serviço efetivo e não simplesmente a exercício.

Sem dúvida, a exigência de efetivo exercício, ou exercício real da função, não deve ser ociosa no diploma constitucional. Para precisar os limites de uso do conceito de efetivo exercício, no entanto, deve-se aprofundar a finalidade de sua exigência ante a própria finalidade do estágio probatório.

Neste sentido, após a Emenda Constitucional n. 19/98 (LGL\1998\67), a teleologia do período de confirmação parece ainda mais evidente: o estágio probatório destina-se a avaliar, de forma concreta, a adaptação ao serviço e as qualidades do agente aprovado em concurso público, após a sua investidura em cargo de provimento efetivo.

Não fora assim, não teria sentido a exigência, imposta à Administração, de constituir uma comissão com a única finalidade de efetuar a “avaliação especial do desempenho” dos servidores em estágio probatório (CF (LGL\1988\3), art. 41, §4º.).

Ora, é evidente o prejuízo para a “avaliação especial de desempenho” de afastamentos, licenças ou outra qualquer modificação da situação funcional dos agentes recém-ingressados que importe, durante o período de prova, em dispensa do desempenho regular da função.

Em princípio, portanto, em uma inicial delimitação do conceito de efetivo exercício, deve-se reputar como inconstitucionais todas as ficções previstas em lei, convertendo artificialmente períodos de afastamento do serviço em períodos de efetivo exercício para fins de integralização do estágio probatório.

O conceito de efetivo exercício é um conceito-realidade, expressão que utilizo recordando figura conhecida do direito do trabalho (contrato-realidade). Repele ficções, construções artificiais, burlas ao propósito constitucional de realizar a avaliação dos servidores no desempenho concreto da atividade funcional.

Mas qual o conteúdo deste conceito? Ele se confunde com a rotina, os dias de expediente nas repartições públicas? Penso que não.

Entendo que a melhor caminho para determinar o conceito de efetivo exercício durante o período de prova é inserir o servidor durante o processo de estágio probatório na atividade regular do Estado.

Neste sentido, será de serviço efetivo o tempo em que o servidor exercita a sua função integrado na atividade normal da Administração, entendendo-se esse exercício tanto o período de dedicação direta às funções do cargo quanto o período no qual o servidor em estágio probatório permaneça à disposição da administração, à semelhança dos demais servidores, para o desempenho de suas funções20. O efetivo exercício é o exercício possível nos períodos de atividade regular do serviço e nos marcos do regime normal de trabalho dos servidores em geral.

Tempo de exercício efetivo é o tempo dedicado à administração, tenha ou não esta expediente de trabalho. Havendo expediente, o tempo de efetivo exercício conta-se em serviço, porque há serviço. Não havendo expediente, por determinação legal, que alcance à generalidade dos agentes, há mera disponibilidade para o serviço, o único exercício possível neste contexto para qualquer servidor, inclusive o servidor em estágio. Por isso, deve ser reconhecido como efetivo exercício, para fins de integralização do estágio probatório, o descanso semanal remunerado, os dias de feriado, bem como todos os dias de inatividade que alcancem generalizadamente os servidores da administração.

É frequente que a lei trate como ficção inclusive esses períodos de inatividade normal da administração. Não importa. Não será ficção, mas efetivo exercício, sem qualquer burla ao texto constitucional.

Não deve ser computado no estágio probatório, porém, o período transcorrido em razão de situações específicas, particulares, que afastem de modo especial (individualizado) o agente do serviço quando há serviço, isto é, quando existe funcionamento normal da administração pública. Exemplos: afastamentos em razão de serviço militar, licença para trato de assunto particular, desempenho de mandato classista, licença gestante, exercício de mandato eletivo, afastamentos em razão de casamento, luto, acidente ou doença21.

O direito a férias anuais constitui situação à parte. O gozo de férias pelo agente em estágio probatório não ocorre em situação de inatividade geral da administração, salvo a hipótese de férias coletivas, mas tampouco caracteriza situação peculiar, particular ou individualizada do agente em período de prova. As férias constituem direito reconhecido a todos os trabalhadores, ocupantes de cargos ou empregos (CF (LGL\1988\3), art. , XVII, c/c art. 39, §3º) e que todos devem poder gozar. Trata-se de período que deve também ser considerado como de efetivo exercício, uma vez que o servidor usufrui um direito constitucional reconhecido a todos os agentes públicos, segundo uma programação definida pela própria Administração, e permanece à disposição da administração, sem particularizar a sua situação de afastamento em face dos demais agentes públicos.

Mas, não se deve perder de vista que, conforme vem especificando a jurisprudência, o tempo de exercício efetivo a ser computado é o tempo de exercício em cargo de provimento efetivo específico, não sendo considerado o tempo de serviço prestado em outro cargo, da mesma ou de outra entidade. Tampouco deve ser considerado no cálculo do tempo de efetivo exercício de agente investido em cargo efetivo o tempo de serviço prestado por ele em outra condição jurídica, como agente temporário, contratado, ocupante de função, ainda que o cargo tenha sofrido posterior transformação em cargo de provimento efetivo22. Além disso, ainda quando legítima a reintegração, após anulação do ato de demissão que haja colhido agente em estágio probatório, não se conta para fins do estágio probatório o período em que o agente não estava no desempenho de suas funções.

Assim, em resumo, não deve ser computado no estágio probatório:

a) licenças, afastamentos e outras hipóteses de ausência ao serviço referenciadas unicamente na situação peculiar dos agentes em estágio, quando houver funcionamento normal da administração pública;

b) períodos de tempo ficto, artificialmente construídos por lei ordinária;

c) o período de serviço prestado a outra pessoa ou entidade pública, para o mesmo ou outro cargo;

d) o período de serviço prestado à mesma pessoa ou entidade pública, relativamente a outro cargo público;

e) o período de serviço prestado à mesma pessoa ou entidade pública, relativamente ao mesmo cargo, porém como interino, substituto, prestador de serviços ou ocupante de função de confiança, antes da transformação da natureza do cargo;

f) o período transcorrido entre demissão do serviço e o reconhecimento da reintegração, por vício de legalidade no ato sancionador23.

e) Estágio Probatório e Avaliação de Desempenho

A avaliação de desempenho durante o estágio probatório é especial, obrigatória e realizada por comissão instituída para essa finalidade.

É especial porque não se confunde com a avaliação normal de desempenho, realizada periodicamente pela Administração, voltada a aferir a qualidade da atuação de servidores estáveis. A avaliação no estágio probatório é avaliação global do período de prova, embora não seja obrigatoriamente concentrada num único momento, podendo ser desdobrada em etapas, de modo a captar a evolução do agente ao longo do tempo e suas dificuldades de adaptação.

É obrigatória, pois não pode ser dispensada, nem admite a inércia da Administração, tendo sido eliminada do sistema constitucional a hipótese de aquisição da estabilidade por simples decurso de prazo. O servidor é também interessado na avaliação. Se não efetuada, não há aquisição da estabilidade. Logo, atualmente a avaliação traduz dever da Administração Pública e direito subjetivo do servidor, exigível inclusive perante o Poder Judiciário.

Não pode o Judiciário, porém, substituindo-se ao administrador, conceder estabilidade ao servidor em estágio probatório ante a omissão da Administração, eliminando a utilidade da avaliação especial de desempenho. Mas pode condenar a Administração em multa diária, nas situações de atraso injustificado, responsabilizar os agentes faltosos ou o agente faltoso, caso eventualmente sequer tenha sido nomeada comissão de avaliação, ou adotar medida de proteção que antecipe, de forma precária, mas efetiva, alguns efeitos da estabilidade ainda não adquirida.

Esta última hipótese foi pioneiramente sugerida entre nós por JUAREZ FREITAS, em termos genéricos, mas consistentes, em artigo de mérito, nos seguintes termos:

“Transcorrido largo lapso temporal sem atendimento da demanda, lícito até admitir, por exceção, que o Poder Judiciário possa equipará-lo, para vários efeitos, ao estável. Ainda neste caso, no entanto, tratar-se-á de mera equiparação parcial, porque a bem do rigor, não será estável o servidor sem que tenha sido avaliado favoravelmente”24.

A hipótese não é acadêmica e pode ser explorada a partir de situações práticas. Pense-se na situação de agentes que, esgotado o prazo constitucional, sem avaliação ou aquisição da estabilidade, são surpreendidos durante a inércia da administração com a extinção de seus cargos ou a declaração da sua desnecessidade (art. 41, §3º.). Em tese, como é assente no direito brasileiro, o agente em estágio probatório não está protegido contra a extinção de cargo ou a declaração de sua desnecessidade, sendo trivial admitir como consequência dessas medidas a exoneração do agente ainda não estabilizado. Ocorre que na hipótese figurada, em princípio, o agente deveria ter sido avaliado e, ante o fato, eventualmente conquistado a estabilidade, permanecendo então em disponibilidade. Neste caso, diante da violação do direito à avaliação e à conclusão do estágio probatório, por inércia da Administração, deve-se reconhecer aos agentes atingidos a possibilidade de permanecerem em disponibilidade condicional até a conclusão da avaliação do estágio probatório, permanecendo em disponibilidade, após a conclusão do estágio, apenas aqueles que receberem avaliação positiva da Administração25.

A norma constitucional impõe ainda que a avaliação seja feita por comissão, recusando validade à ação fiscalizadora exclusiva do chefe imediato ou superior hierárquico. A comissão deve ser integrada apenas por agentes estáveis. A construção é, aqui, em tudo similar àquela elaborada pela jurisprudência para assegurar a imparcialidade das comissões disciplinares. Somente agentes estáveis contam com necessária neutralidade para avaliar agentes em estágio probatório.

O curso da avaliação de desempenho pode ser interrompido a qualquer tempo, antes mesmo do advento dos três anos, quando o servidor houver praticado ato desabonador ou ainda fato previsto como infração administrativa. O estágio probatório não impede a realização, pela Administração, de processos disciplinares, nem obriga a Administração, em qualquer caso, a suportar durante três anos o agente faltoso nos seus quadros.

O servidor em estágio probatório pode ser demitido, sempre que pratique ato previsto como infração funcional. A demissão pode ser modo de terminação abrupta do estágio probatório. Não dever haver, nestes casos, simples exoneração, pois a primeira importa em juízo de censura ausente na simples exoneração. Ademais, conforme a lei regente, em certas hipóteses a demissão importa em impedimento para a investidura em novo cargo público (ex. art. 137 da Lei 8.112/90 (LGL\1990\46), que incompatibiliza o servidor demitido para nova investidura em cargo público federal durante 5 anos, desde que infringidas duas proibições que identifica). A simples exoneração não autoriza este efeito.

 

  III SITUAÇÕES JURÍDICAS FUNCIONAIS E ESTÁGIO PROBATÓRIO: Questões Controversas

a) Possibilidade de promoção no curso do estágio probatório

Promoção é forma de provimento derivado. É modo de conferir a alguém a titularidade de um cargo, mas pressupõe relação jurídica-funcional preexistente. Na promoção o servidor, ou o agente, ascende de um cargo para outro na mesma carreira. Conforme seja estruturada a carreira, a promoção pode admitir uma gradação horizontal e outra vertical, assim como apenas uma dessas espécies.

O servidor em estágio probatório é servidor titular de competências, integrante de uma carreira, tem direito à carreira, mesmo que sua estabilidade ou vitaliciedade nela seja dependente de futura confirmação. Mas é titular transitório, sem fixidez, sem definitividade. Diante desse fato, é comum indagar: cabe a sua promoção na carreira?

Respondo afirmativamente. Em diversas situações surgem vagas na carreira que não podem ser supridas senão com a promoção de servidores em estágio probatório. Foi o que ocorreu quando da implantação dos Ministério Públicos dos territórios federais transformados em Estados ou criados pela Constituição de 1988 (CF (LGL\1988\3)ADCT (LGL\1988\31), art. 13 e 14), uma vez que o estatuto fundamental exige que “as funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira” (CF (LGL\1988\3), art. 129, §2º, primeira parte).

Certo, a lei pode limitar a promoção, tratando de forma explícita do tema, restringindo a candidatura ou a escolha de servidores no curso do processo de estágio probatório até certo limite26. Mas, se a lei não o fizer, não há impedimento constitucional algum a promoção de agentes em estágio probatório, pois esses agentes são agentes públicos, titulares de competências públicas, vinculados ao exercício de uma função permanente do Estado27.

Sendo assim, no entanto, é usual indagar: a promoção de agente público em estágio probatório importa em terminação do estágio probatório ou equivale a ato tácito de sua confirmação antes dos três anos de exercício do cargo?

Entendo que a resposta deve ser negativa, nas duas hipóteses. Não se alegue que o agente promovido por merecimento estaria desde logo “julgado”, considerado apto para o exercício do mister, avaliado quanto ao cumprimento dos requisitos necessários para recomendar a sua efetivação no cargo e a sua permanência na carreira. Durante o período do estágio probatório a Administração sempre poderá, quando verificar fato incompatível com o exercício profissional ou que indique inaptidão para o exercício da função, recusar efetivação e confirmação ao agente, observada a exigência de fundamentação. A promoção, por si só, não tem o condão de conferir estabilidade ou vitaliciedade ao agente em estágio probatório.

É certo que o desligamento dos agentes eventualmente não confirmados, mas anteriormente promovidos, demandará fundamentação reforçada. Exige-se da Administração coerência com os seus atos anteriores (proibição de "venire contra factum proprium")28. O precedente administrativo aberto com a promoção, entretanto, não impede a alteração do juízo de merecimento e aptidão do agente público por ocasião da avaliação final do estágio probatório, quer sob o fundamento de ocorrência de “fato superveniente” à promoção, quer sob o fundamento de “ignorância ou erro de informações sobre fatos anteriores”. No entanto, estas serão hipóteses raras, exigentes de fundamentação detida e individualizada.

b) Designação do Agente em Estágio Probatório para Cargo de Confiança

Tem-se discutido sobre a designação de agentes em estágio probatório para cargos de confiança. Os Tribunais de Contas têm enfrentado a hipótese, admitindo a possibilidade29.

Analiso o problema em duas partes. Não reconheço impedimento algum à nomeação de agentes em estágio probatório para cargos de confiança, mas não admito a contagem do tempo de serviço prestado no exercício do cargo de livre designação e exoneração para o fim de cálculo do tempo necessário a completar o estágio probatório. O prazo deve ser suspenso, voltando a ser contabilizado apenas com o retorno do servidor ao cargo efetivo.

DIOGENES GASPARINI manifesta-se em sentido divergente ao exposto. Segundo o autor, dadas as finalidades do estágio probatório, não é possível, “ainda que lei a regulamente, a designação ou nomeação do servidor em estágio probatório para exercer outro cargo, e muito menos entendemos viável seu comissionamento em outra entidade. O afastamento do servidor do efetivo exercício do cargo efetivo, durante o estágio probatório, impede a necessária verificação de sua aptidão para o exercício das atribuições do cargo que titulariza”30.

O argumento, embora respeitável, não convence. Confunde a possibilidade de comissionamento (que é recusada pelo autor citado) com o problema da avaliação no cargo efetivo (que pode ser suspensa). Havendo suspensão, não há prejuízo algum para a avaliação exigida pelo estágio probatório, que reiniciará quando houver retorno do servidor ao seu cargo efetivo.

É certo que a matéria é entregue à lei, que pode autorizar ou não a suspensão do período do estágio, a partir da aceitação pelo servidor da designação para o cargo comissionado. Mas a hipótese não pode ser considerada inviável de forma liminar31.

c) Remuneração do Agente em Estágio Probatório

Não deve ser admitida a redução de remuneração dos agentes em estágio probatório. Ressalvada a hipótese de existir cargo destinado especialmente aos agentes em período de estágio, a remuneração de agente em período de estágio deve ser idêntica à remuneração dos exercentes das mesmas funções que já tenham adquirido a estabilidade.

É possível admitir redução, ou remuneração parcial, apenas para hipóteses de estágio experimental, cursos de formação, que colham indivíduos ainda no curso de concursos públicos.

d) Estágio Probatório e Estabilidade Sindical

O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão da compatibilidade da concessão da estabilidade sindical a servidores em estágio probatório.

Tratou a questão sob dois prismas. Numa primeira linha de decisão, considerou a estabilidade sindical incompatível com o regime jurídico administrativo de todos os servidores estatutário e, consequentemente, dos servidores em estágio probatório. Numa segunda linha de argumentação, negou igualmente o reconhecimento da “estabilidade sindical” por incompatibilidade com o “estágio probatório”, entendendo que a admissão da estabilidade durante o estágio probatório importaria em “supressão” do estágio32.

As duas orientações, como parece evidente, embora afastem o reconhecimento da estabilidade sindical, não recusam a possibilidade de concessão de licença para desempenho de mandato classista durante o estágio probatório. Se houver deferimento deste tipo de licença, porém, como vimos, deve ser suspensa a contagem do período de efetivo exercício para processo de avaliação a que está sujeito o servidor licenciado.

e) O Momento da Confirmação do Servidor

Discutiu-se durante algum tempo sobre quando deveria ser realizada a avaliação de desempenho durante o estágio probatório. As orientações se dividiram: alguns entenderam que a avaliação final somente seria válida se realizada antes do término do prazo constitucional de prova (período de efetivo exercício em avaliação)33; outros entenderam que o período de efetivo exercício previsto na lei fundamental deveria ser integralmente considerado na avaliação do estágio probatório

Biografia do Autor

Paulo Modesto, Universidade Federal da Bahia (Salvador, Bahia, Brasil)

Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público e do Instituto de Direito Administrativo da Bahia.

 

Arquivos adicionais

Publicado

2019-07-10

Como Citar

MODESTO, Paulo. Estágio Probatório: Questões Controversas: Public Service Probationary Period: Controversial Issues. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura | RDAI, São Paulo: Thomson Reuters | Livraria RT, v. 3, n. 10, p. 351–383, 2019. Disponível em: https://rdai.com.br/index.php/rdai/article/view/250. Acesso em: 3 out. 2024.

Edição

Seção

Memória do Direito Administrativo | Retrospective of Administrative Law